terça-feira, 20 de novembro de 2012

Consciência Negra precisa ter dia?


Não gosto da ideia de um dia ou um mês destinado à consciência negra. Não, não sou um branco babaca, escroto e reacionário que diz coisas tipo "e a consciência branca?". Não é isso. Meu trabalho acadêmico em grande parte foi dedicado à causa dos negros, a qual acho que deveria ser absolutamente prioritária na agenda política do Brasil.
Não gosto da ideia porque acho absolutamente ineficaz. Pra começar, na prática esse tipo de coisa tem gerado em grande medida eventos culturais. Aí vamos nós ver espetáculos de samba, capoeira ou maracatu, e saímos de lá com a consciência limpa. Fizemos nossa parte na luta contra o racismo.
Fizemos porra nenhuma. Há décadas o Brasil vê a cultura negra como sendo a cultura brasileira. Em 3 dias chegarei aos 40 anos, e nunca escutei alguém dizer algo vagamente próximo a "samba, capoeira e maracatu são coisas de negros bárbaros, ninguém deveria gostar disso". Essa simplesmente não é uma questão. Difundir cultura negra para combater o racismo simplesmente é oferecer um remédio para uma doença que não existe.
O problema dos negros brasileiros não é serem vistos pelos brancos como seres desprovidos de uma herança cultural. Os milhões de brancos de classe média e alta que vão ao carnaval do Rio, Salvador e Recife, bem como a espetáculos de maracatu, samba e coisas do gênero são prova eloquente disso. Qualquer brasileiro, inclusive os mais racistas de todos, acredita que o Brasil deve muito de sua cultura aos descendentes de africanos. O problema não está aí.
O problema é que os negros brasileiros são muito mais pobres que os brancos. E não me venha com essa de que isso é herança da escravidão. Ela acabou há mais de 120 anos. Depois da Abolição chegaram levas de imigrantes europeus, todos com uma mão na frente e outra atrás, e eles se arranjaram. Mesmo sendo pobres, ignorantes e analfabetos. Os negros não. Isso é fruto de racismo. Somos um país que escolheu ser racista, e que reafirma essa escolha todo santo dia. A propósito, se o problema fosse a escravidão, veríamos uma diferença entre brancos e negros que foi progressivamente sendo reduzida de 1888 pra cá. Mas não foi o que aconteceu. Houve inclusive períodos bem posteriores em que essa diferença aumentou.
Se eu te pedir para imaginar um médico, você pensará numa pessoa branca. Se eu te pedir para imaginar um pedinte, você pensará numa pessoa negra. Aí é que está o grande problema. O estigma da cor. Na nossa cabeça negros estão destinados ao fracasso. O que é tristemente comprovado pelas estatísticas. Aí é que está o problema real. Num triste círculo vicioso. Negros foram maltratados pela sociedade brasileira, ficaram pobres, aí esperamos que eles sempre se dêem mal, ajudando decisivamente para que isso de fato aconteça.
É por aí que temos de lutar. Por ações que tragam resultados. Como as cotas. Precisamos lutar para que os negros tenham melhores condições de vida. Para que paremos de pensar neles como pessoas destinadas ao fracasso. Todo mundo gosta de samba, capoeira e maracatu. Essa é uma questão resolvida. Mas pensar em negros atuando fortemente no mercado de trabalho pelos melhores empregos, disputando cargos conosco, casando com nossos filhos, isso a gente não consegue pensar. É aí que está a luta real. E ela tem de acontecer todos os dias. O resto é piada.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A nova onda de assassinatos israelenses


Pelo que vejo a nova onda de ações israelenses tem aborrecido bastante um monte de gente. É um tópico que merece reflexão.
Para começar, é importante que aceitemos que não há santos nessa história. Nada do universo pode justificar o terrorismo. Ações premeditadas que tiram a vida de civis sem dar a eles chance de defesa é algo indefensável.
Por outro lado, há muita coisa a ser sublinhada nessa história. Para começar, ninguém no mundo pode negar que estamos falando de uma luta muitíssimo desigual. Israel é infinitamente mais forte que os palestinos nos campos político, militar e diplomático. Não é um confronto entre iguais. Só isso já é um condicionante da maior importância.
Mas há mais. Se há um país que não tem a menor autoridade para condenar o terrorismo esse país é Israel. O país só existe porque os britânicos foram expulsos de lá porque acharam que não valia mais a pena lidar com o terrorismo judeu. Muitos dos nomes mais importantes e mais idolatrados da história de Israel foram terroristas. Por exemplo, Menachem Begin, primeiro ministro do país entre 1977 e 1983, mas que em 1947 havia coordenado um atentado que tirou a vida de 91 pessoas no Hotel King David em Jerusalém. E foi um dos maiores pilares da luta contra o terrorismo palestino. Hipocrisia pura: terrorismo israelense para obter o direito a um Estado pode. Mas os palestinos fazerem o mesmo, não pode. Por que?
Mas como disse, não há mocinhos nessa história. Israel só existe ainda hoje como Estado por ter conseguido se afirmar perante vizinhos hostis. Em 1948, 1956, 1967 e 1973 esses vizinhos tentaram destruir esse Estado. Essa situação, somada ao milênio de perseguições aos judeus, fez com que Israel tenha se fundado na ideia de que era indispensável para o país mostrar que não toleraria nenhum tipo de agressão, sob pena da própria extinção. E temos de aceitar isso: os israelenses negam aos palestinos o direito de existir como Estado, mas se os palestinos tivessem escolha, tampouco aceitariam que Israel existisse.
No fundo a questão que irrita o planeta terra, e com toda a razão, é o absurdo apoio incondicional dos EUA a Israel. A nação mais forte e potente do planeta se divide em todas as questões, menos nessa. A opinião pública norte americana é fortemente pró-israelense, e acha que o governo do país tem toda a liberdade de fazer o que quiser. Esse sim é um absurdo completo. Nenhuma nação no planeta tem essa carta branca.
Mas sabe o que mais me dói? É ver os judeus soltos pelo planeta defendendo qualquer política do governo de Israel, seja ela qual for. Sou brasileiro, amo o Brasil, mas não me sinto minimamente obrigado a defender as políticas de nenhum governo, inclusive o que está no poder, e que conta com meu apoio. Mas muitos judeus do mundo vêem isso de outra forma. Acham que matar civis desarmados é defender a existência do Estado de Israel.
Aí acontece o seguinte. Um amigo judeu italiano se tornou um ex-amigo depois que postei uma foto de mulheres e crianças palestinas mortas no facebook. Para ele eu ataquei Israel. Eu jamais atacaria esse país. Ataco as políticas de um governo. Como critiquei tantas políticas de todos os governos brasileiros que vi. Mas esse é o problema. Quando tantos judeus progressistas compram a ideia de que matar não israelenses é algo que significa a sobrevivência de Israel, é sinal de que há algo muito errado acontecendo. Quando judeus progressistas acham que matar mulheres e crianças é defender a sobrevivência de Israel a gente vê que o conflito está muito, mas muito longe do fim.

domingo, 18 de novembro de 2012

Consequencias do declinio tucano


Sou um comunista com vários amigos tucanos. Alguns deles são grandes amigos. Nós discordamos em um monte de coisas, nos provocamos, mas sempre nos respeitamos. Afinal, o PSDB é um partido que nasceu lutando contra a ditadura. Eles sabem respeitar opiniões diferentes das deles.
Não é só isso. Confesso que eu e meus amigos tucanos concordamos com uns 80% das coisas. Discordamos até a morte em pontos como a função do Estado. Mas estamos totalmente de acordo nas questões fundamentais. Não se surpreendam. Foi o PSDB que colocou todas as crianças brasileiras na escola quando esteve na presidência, e também criou os primeiros programas de renda mínima.
O PSDB é um partido de esquerda? Não. É um partido liberal centrista. Que por muito tempo foi dominante no arco centro-direitista. Isso sempre foi bom para o Brasil. Enquanto os vizinhos tinham uma oposição golpista, o Brasil tinha uma com DNA democrático e frequentemente progressista. Graças a isso não houve nenhuma tentativa de derrubar Lula ou Dilma, algo que muitos governantes do nosso continente tiveram de lidar.
Por isso eu torço tanto para o PSDB continuar forte. Não concordo com a visão de Estado deles. Não quero viver no mundo que eles querem construir. Mas eu quero ter inimigos como eles. Gente que ache que a democracia é o valor supremo. Que veja o mundo fora da lente lunática, religiosa e ditatorial que a oposição de alguns países vizinhos têm.
Em suma, o Brasil precisa do PSDB. Ter um partido assim comandando a direita é importantíssimo para qualquer país, ainda mais para uma nação em que a democracia não é um valor arraigado.Sou esquerdista, mas acho que a democracia está acima de tudo. E o PSDB é importantíssimo para a nossa.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A volta da ARENA


Ao menos nas redes sociais a possível volta da ARENA como partido político tem causado muito barulho. Mas sinceramente não acho que vá passar daí. Me parece que, ao menos a princípio, esse partido está destinado a fazer muito barulho e não conseguir nada.
Vejam bem: claro que há potencial para um partido assumidamente de direita. A oposição ao governo federal está cada dia mais perdida, o PSDB não sabe mais o que tentar, e é perfeitamente possível que em breve a oposição seja dominada por um discurso francamente reacionário. Quanto a isso não tenho dúvidas. Mas a questão é: essa nova ARENA tem chance de capitalizar esse tipo de voto? Duvido muitíssimo.
Sem querer brincar de futurologia, mas me parece que o futuro da oposição ao governo é algum tipo de discurso moralista, conservador, reacionário até, mas travestido de novidade. Algo como Daniel Coelho, segundo colocado nas eleições aqui do Recife este ano.Um sujeito que tinha um discurso bem parecido com o da UDN golpista dos anos 50/60 mas travestido de novidade. Ou seja: nada de "vamos fechar o congresso", mas sim "vamos criar um jeito novo de fazer política, sem essa roubalheira e essa troca de favores que estão aí". Para completar, um discurso vagamente ecológico, para dar um tom mais claro de novidade.
Acho que há um grande público carente de representantes assim. Gente que defende valores conservadores, que tem um discurso moralista, mas que possua um verniz "moderno". Afinal, no Brasil todos têm vergonha de se definirem como "de direita". Então uma direita que pareça uma renovação poderia cair muito bem. Em suma, estamos prontinhos para um novo Collor. Ao menos enquanto o governo mantiver a atual popularidade ninguém tem chance de desafiar Dilma em 2016. Mas um dia o rodízio de poder chegará, e acho que um tipo com essas características teria mais chance de chegar lá.
Só que essa ARENA nova não tem nada disso. Para começar, é liderada por uma moça que parece sequer saber do que está falando. Uma coisa é um discurso deliberadamente voltado para pessoas burras. Collor fez isso. Outra, bem diferente, é o discurso ser idiota por falta de opção. O primeiro exemplo tem chances de eficácia. O segundo não. Além disso, essa novidade está chamando muita atenção das pessoas que a odeiam. Não tenho notado essa nova ARENA causando qualquer comoção entre as pessoas mais conservadoras.
Mais importante, esse grupo ao que parece não tem um discurso coerente. É vagamente direitista, mas tem dificuldades em ir além da defesa da ditadura. Sei que no fundo muita gente sente falta da ditadura, inclusive gente que nem era nascida na época. Mas não vejo a possibilidade de que pessoas possam sair a rua motivadas por isso. Uma coisa é a saudade dos militares como parte de uma visão reacionária mais ampla. Outra, bem diferente, é ela ser um argumento central. Não cola.
Finalmente, não vejo possibilidades para nenhum projeto político que olhe para trás. Nenhum brasileiro tem qualquer razão para achar que o país já foi melhor do que é. Para não falar que brasileiros não são particularmente fãs de história. Me parece que o futuro da direita está justamente em mostrar que pode renovar o país. Prometer o retorno a 40 anos atrás não me parece muito promissor.
Em tempo, vale notar que nada impede que esse partido aos poucos vá ganhando uma outra cara e se viabilize. Mas do jeito que está agora, vai lutar para sair do traço nas eleições.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Cadê a oposição?

Várias pessoas me perguntam por que sou adepto do kirchnerismo. Respondo: não sou kirchnerista na Argentina, apenas acho que a oposição do país é tão bisonha que impede que existam alternativas ao grupo que está no governo. E francamente, essas eleições terminaram de me chegar à mesma conclusão em relação ao lulo-petismo.
Vocês sabem: estou longe de ser  fã desse governo que está aí. Entendo que o PT tenha tido de mudar para ganhar viabilidade eleitoral, e que certas mudanças podem ser aceitavelmente descritas como um mal necessário para que o partido não fosse um eterno derrotado. Mas a questão é que o partido mudou a ponto de não mais ver limites em nenhum sentido. Vale tudo.
Tá, mas que diabos a oposição oferece? A oposição à direita não existe de forma orgânica. É um amontoado amorfo, no qual dificilmente se reconhece uma ideologia, salvo nos quadros mais tradicionais do PSDB, comprometidos com o liberalismo. Mas aquele que é o grande partido da oposição também está perdido. Avalia que a população não quer saber do discurso tradicional do partido, e tateia procurando outra opção. Ainda não achou. Para piorar, ainda vê um patético José Serra comandando o partido na marra, impedindo a ascensão de novos quadros que poderiam revitalizar os tucanos.
Fora isso, a oposição à direita do governo é absurdamente patética. Uma mistura de apoiadores da ditadura com um discurso moralista ao velho estilo udenista com religiosos que querem impor um modo de vida medieval a todos, incluindo os que não fazem parte da sua crença. Uma coisa absurda.
A oposição à esquerda infelizmente ainda não saiu da adolescência. Nos últimos 10 anos tentei com todas as minhas forças me aliar com essa gente. Apesar de tudo, ideologicamente minha visão de mundo é mais próxima de partidos como PSOL. Então fiz o que pude para votar neles. Mas sinceramente, cansei. Vejo que eles estão, numa atitude absolutamente maluca, se aproximando dia a dia do discurso da oposição à direita.
Será que essa gente não percebe como é infantil dizer coisas tipo "PT, DEM é tudo a mesma coisa"? Não se dão conta de como essa postura repete a mesma atitude moralista da direita? Quem, em sã consciência, pode negar o fato de que PT, PSDB e DEM são coisas nitidamente diferentes em todos os sentidos? Quem pode ser cego o bastante para se dizer esquerdista e não achar que vitórias do PT são melhores que vitórias dos democratas-tucanos? Mais um pouco e o Plínio diz que prefere o Serra ganhar ao invés do Haddad... epa! já aconteceu!
Façamos assim então. A oposição à esquerda continua brincando de fazer política, assumindo o papel de moralista das redes sociais, criticando tudo e todos. Aí quando chega a hora de criança ir dormir, eles saem de cena sem ninguém notar e deixam os partidos grandes lutarem de verdade para ganhar eleições. É o destino que esse pessoal escolheu para si próprios. Que sejam felizes. Mas não contem comigo.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Milton Nascimento 70


Uma das coisas mais chatas do mundo é quando me perguntam por que gosto ou não gosto de um artista ou uma banda. Música não funciona assim. A música te toca ou não. Simples assim. Acho as composições de Mozart geniais, mas 90% delas não me causam qualquer efeito. Por outro lado, a barulheira do Sex Pistols, formada por analfabetos musicais, me cai muito bem.
Milton Nascimento sempre me tocou. O amo desde que a minha memória consegue alcançar. Claro que tecnicamente sua obra é irreparável: canta pra cacete, compõe bem demais e o acompanhamento instrumental sempre é excelente. Mas isso é o de menos. A questão é que por motivos que nunca entendi, suas obras me arrebatam completamente. Principalmente sua obra dos anos 70, que eu acho o supra-sumo do que se fez em sua geração.
Mas quando mudei pra Minas a coisa ficou pior. Me lembro de quando viajava para Mariana para dar minha primeira aula como professor substituto da UFOP. Havia saído de Campinas as 9 da noite, troquei de ônibus em Belo Horizonte as 5 da manhã. Quando acordei já estava chegando ao destino. Vi o sol nascendo por trás das montanhas tão mineiras e pensei: "putz, as músicas do Milton são a trilha sonora dessa paisagem!".
Naquele momento, ocorrido há uns 10 anos, muitas fichas caíram na minha cabeça. Entendi porque todos os mineiros que eu conhecia amavam Milton Nascimento. E entendi sobretudo a intensidade de suas composições. Tudo o que ele compôs em sua vida é Minas Gerais. Mesmo quando não é sobre isso explicitamente (quase nunca é) você vê claramente que ele filtra o universo pela perspectiva mineira. Sei, você que não é mineiro não vai entender. Não dá pra entender mesmo. Só vendo.
Aqueles anos em Minas foram bons demais. Minas me ofereceu todo o afeto e carinho que só os habitantes daquele estado sabem dar. E a trilha sonora daqueles anos sempre foi Milton Nascimento. E vou dizer: poucas coisas nesta vida são tão legais quanto viajar pelas horríveis estradas mineiras ao lado de uma pessoa amada ouvindo Milton Nascimento e contemplando as incomparáveis montanhas que são a paisagem característica do estado. Minas, montanhas, afeto e Milton Nascimento. Tudo se encaixa perfeitamente.
Sim, este é um post completamente subjetivo. Foi uma opção minha. Poderia falar muito sobre a qualidade da música de Milton Nascimento para celebrar seus 70 anos. Sobre a quantidade absurda de músicas maravilhosas que ele fez. Mas preferi apenas agradecer a ele por ter sido a trilha sonora de tantos momentos da minha vida. Desde que me conheço por gente ele é parte essencial da minha vida. E a esta altura acho que posso dizer que será assim enquanto eu viver.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Cadê o PSDB?


Chegamos a mais uma eleição em que o PSDB sai menor do que entrou. Nas cidades mais importantes do país teve umas poucas vitórias como sócio minoritário, e fica por aí. Quase certamente levará uma surra em São Paulo, com seu nome mais conhecido sendo derrotado por larga margem por um petista desconhecido do eleitorado até o início da campanha. Para um esquerdista como eu, isso pode parecer ótimo. O problema é que isso lentamente pode trazer desdobramentos muito desagradáveis.
Afinal, antes de esquerda e direita vem a democracia. E o PSDB tem um papel enorme a desempenhar na nossa democracia. Governos de tons esquerdistas se espalharam pela América do Sul nos últimos 15 anos, e muitos deles têm enfrentado oposições de matiz francamente golpista. O Brasil foi preservado disso, já que o campo do centro-direita é hegemonizado pelos tucanos, partido que nasceu na oposição à ditadura, portanto um grupo de sólido DNA democrático. Nesses 10 anos como oposição nunca foram santos, mas jamais deixaram entrever qualquer chance de golpismo, como tristemente vemos em países como Venezuela, Bolívia, Equador e Paraguai.
E não tenho a menor dúvida: se a oposição fosse liderada por gente que mamou nas tetas da ditadura e que até hoje não se acostumou aos mais básicos princípios democráticos (digamos, o DEM), o cenário seria outro. Por isso digo: um partido centrista, liberal em suas convicções, e comprometido com a democracia é algo que faz parte da pluralidade democrática. E em uma região em que a democracia nunca foi um valor arraigado, é altamente desejável termos um grupo como esse comandando o arco de centro-direita.
Infelizmente vemos o PSDB perdido. A população aprova majoritariamente o governo federal, e os tucanos concluíram que boa parte de seu antigo eleitorado não quer mais nem ouvir falar em estado mínimo ou privatizações, bandeiras históricas do partido. O que fazer nesse quadro?
Parte substantiva do partido aderiu à histeria moralista, que é um discurso de qualquer oposição de qualquer época (o PT nos anos 90 também fazia isso), mas que tido como único argumento evidencia fortemente a falta de um projeto coerente.
Pior, outros, como José Serra, em uma atitude eleitoreira, adotaram uma postura reacionária que não combina em nada com a história do partido. Tanto em 2010 como em 2012, Serra, quando se viu em dificuldades, se abriu para a direita mais obscurantista, apelando para um discurso que inclui homofobia e demonização do aborto, algo que envergonharia gente como Franco Montoro, fundador do partido e defensor histórico dos direitos humanos durante a ditadura.
A catástrofe disso é a seguinte. Com isso, o PSDB abre mão de seu protagonismo na aliança centro-direitista que comanda, e coloca argumentos da direita mais lunática em primeiro plano. Assim, o que separa pessoas desse segmento do pensamento: "se é assim, dispensemos intermediários, Malafaia presidente!"? Muito pouco, né?
Talvez o grande problema do partido seja a ausência de renovação. A geração que fundou o partido está morta ou em idade avançada. Era a geração da luta contra a ditadura, que defendia um liberalismo racional e culturalmente progressista. A geração de Aécio e Alckmin deveria ter assumido o controle do partido há tempos. Os nomes citados são populares em estados importantes da federação, mas de fato não conseguiram ainda se inserir no debate nacional. Ninguém sabe o que eles pensam sobre os grandes temas brasileiros.
O PSDB está a deriva. Eleitoralmente ainda é forte: não se pode desprezar o poder de fogo do grande partido oposicionista do país. Mas como vive uma crise ideológica, pode ser em breve superado por grupos francamente reacionários, que sabem muito bem o que querem. Se isso acontecer, a oposição será comandada pelo que o país tem de pior. E como a democracia presume a rotatividade do poder, um dia a oposição voltará ao governo. Imagine se quando esse dia chegar ela for liderada por Silas Malafaia?
Por isso eu digo: o PSDB é necessário para a nossa democracia. Não esse PSDB de Serra, mas o de Montoro, FHC e Covas. Que ele possa retornar como um partido solidamente centrista, liberal, democrático e moderno, para manter nossa democracia segura de ideias autoritárias.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

O que a educação pode fazer por um país


Tenho me divertido muito com o fato de que, talvez mais do que nunca, os brasileiros olhem com algum interesse para coisas que acontecem no Uruguai. As atitudes do presidente Mujica são vistas com um misto de surpresa com admiração, e mais recentemente as discussões sobre aborto e maconha também tem sido noticiadas por aqui. E isso porque a maioria dos brasileiros nem sabe que o consumo de maconha é legalizado por lá (mas não a venda, o que é um paradoxo) e o aborto já não é criminalizado. Discutem-se ampliações nesses tópicos, mas já estão décadas na nossa frente neles.
Na verdade essas "excentricidades" do país não são algo isolado, se inserindo num contexto mais amplo. O Uruguai sempre foi mais laico que seus gigantescos vizinhos e a América Latina como um todo. O país tem indicadores sociais escandalosamente altos para um país latino-americano, sendo o melhor IDH do continente, muito acima do Brasil. Vale lembrar: isso em um país pequeno, de baixíssimo potencial econômico e que está estagnado economicamente há décadas.
Isso tem muito a ver com o fato de o país ter construído há muito tempo uma rede de proteção aos mais pobres. Você vai a Montevidéu e vê pobreza, claro, é uma capital latino-americana. Mas não vê miséria, gente desassistida, abandonada pelo Estado, como temos de sobra por aqui. A maioria dos prédios não tem garagem: as pessoas deixam o carro na rua mesmo. Os ônibus são excelentes e confortáveis, há parques públicos à vontade para o lazer do fim de semana, de modo que mesmo sem que Montevidéu tenha metrô, eu jamais vi um engarrafamento por lá.
E eu não tenho a mais vaga dúvida de que tudo isso passa pela excelência da educação uruguaia, um país onde cada criança de escola pública tem um notebook (a Argentina adotou isso recentemente também. claro que isso não quer dizer grande coisa, funciona apenas como exemplo de algo maior). Acho que os vizinhos platinos, mas principalmente o Uruguai, são mostras do que a educação pode fazer por um país.
Quem estuda num sistema educacional decente tem muito mais chance de ter autonomia o suficiente para não entregar decisões importantes de sua vida nas mãos de algum religioso obscurantista ou alguma celebridade de TV. Não aceita que o Estado não ofereça a seus filhos uma educação de qualidade. Não olha estrangeiros como bizarros invasores que devem ser temidos ou odiados. É menos propenso a achar uma ditadura uma boa ideia (o país teve suas turbulências, claro, mas perto dos demais países do continente, a história política do Uruguai é de uma calma assustadora).
Ontem conversava sobre isso tudo com um amigo, que como eu é um gaúcho de coração charrua (infelizmente torce para Inter e Nacional, enquanto eu sou Grêmio e Peñarol). E não tivemos dúvida de que a qualidade e a abrangência da educação uruguaia são essenciais para que o país tenha virtudes que seus vizinhos gigantescos e muitíssimos mais ricos não possuem.
Note: o objetivo deste post não é elogiar o Uruguai. Amo o país, sou de mal com Deus por não ter me feito nascer lá, mas a questão não é essa. Inclusive porque, como já disse, é um país latino-americano, com problemas que qualquer morador do continente conhece. O Uruguai não é um paraíso. É apenas um país pobre que se levou a sério o bastante para ter na educação o pilar central de seu projeto nacional.
E por que não fazemos isso aqui? Por que todos nós somos tão conformados com uma educação porcaria? Sinceramente acho que estamos tão mal nesse quesito, mas tão mal, que sequer somos capazes de identificar o problema. Nunca tivemos uma educação de qualidade. Mesmo nossas escolas particulares são de péssima qualidade. Não sabemos o que é educação de qualidade. Não temos ideia do que ela pode fazer por um país. Então não sabemos como ela faz falta. Aí continuamos falando da boca pra fora que precisamos melhorar a educação brasileira, mas sem levar isso minimamente a sério. Falamos, fazemos postagens no facebook dizendo isso, mas não tomamos uma atitude que seja para melhorar. E garantimos a perpetuação de dezenas de problemas gravíssimos do nosso país.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

"Não vivemos uma democracia": criancice ou reacionarismo?


Uma eleição tem o mérito inquestionável de levar as pessoas a falar mais de política. O que é uma coisa ótima: é exatamente esse o espírito da democracia.
Só que eu fiquei bastante assustado com uma tendência que pude observar. Muitas pessoas com as quais conversei pensam que o Brasil não é uma democracia. Vários inclusive usaram o termo "ditadura". Os argumentos eram vários: não se pode falar em democracia quando o voto é obrigatório, a população é conduzida por uma mídia reacionária, não temos total liberdade e muito menos todos os direitos que deveríamos ter, o candidato que votei não ganhou, o sistema proporcional que escolhe os vereadores e deputados é uma droga, etc.
Não vou aqui discutir se essas coisas existem mesmo ou não. Isso é outra história. A questão aqui é outra: o argumento é de uma tolice inacreditável. Todos eles no fundo dizem a mesma coisa: "só existe um conceito de democracia, que é o que eu defendo. Se não for assim, não é democracia". Ora bolas, mas o argumento em si é extremamente autoritário. Por que diabos todos têm de ter o mesmo conceito de democracia que você?
Mas apenas para efeito de discussão aceitemos que todos esses problemas existem. Quer dizer que não vivemos numa democracia? Então chegamos a um absurdo completo: tudo o que não é uma perfeita democracia é ditadura. Vamos testar essa lógica em outro campo. A maioria de nós acredita que sentir empatia por outras pessoas é uma característica típica do ser humano. Mas há pessoas que não tem essa capacidade. Então devemos classificá-los como? Jácarés? Marcianos? Não. São humanos. Imperfeitos como todos os demais. Assim como nenhuma democracia é ou pode ser perfeita.
Esse argumento, geralmente enunciado de boca cheia, com um ar altamente crítico e superior, é extremamente perigoso. Pra começar é uma ofensa monumental a todos os que viveram uma ditadura de verdade, sofreram com ela e lutaram contra ela. Pessoas que muitas vezes pagaram caro para que tenhamos os direitos que temos hoje. Dizer essa tolice vulgariza e tira todo o sentido do que essas pessoas fizeram.
Mas não é só isso. Quando você vem com essa conversa, vulgariza também o termo "ditadura". Que passa a ser o nome de qualquer coisa que você não gostar. Ao adotar essa definição, tudo passa a ser ditadura, já que nada, nem sua própria vida, é como você gostaria que fosse. Então sempre viveremos numa ditadura. Se é assim, qual a diferença de amanhã um bando de malucos tacar os tanques na rua e sair matando todo mundo que pensa diferente deles? Pra quem pensa que vivemos uma ditadura, isso não fará nenhuma diferença, substituiremos uma ditadura por outra, né?
Deixemos de criancice. Vivemos uma democracia sim. Falamos e escrevemos o que quisermos, votamos da maneira que preferirmos e isso é uma conquista monstruosa de gerações anteriores à minha. O sistema não é perfeito e nunca será. Temos de lutar para sempre melhorar. Mas sem essa imbecilidade esquerdista adolescente que quer ser crítica e superior mas no fundo é um poço de reacionarismo.

domingo, 7 de outubro de 2012

Voto

15 de novembro de 1989. A inesquecível primeira vez em que votei. O Brasil era um país bem diferente. Não havia eleições para presidente há 29 anos. O que significava que a maioria da população jamais tinha vivido aquela experiência. Então de certa forma eu tive sorte. A 8 dias de completar 17 anos fazia algo que pessoas de, digamos, 45 anos, nunca tinham feito até então: votar para presidente. Na verdade tive mais sorte ainda, pois era a primeira eleição em que pessoas de 16 anos podiam votar.
Ter estreado como eleitor naquela ocasião foi mesmo muita sorte. Foi uma eleição muito legal, em que havia candidatos para todos os gostos. Mais que isso, aquela eleição foi uma espécie de ponto culminante de uma sequencia de lutas pela redemocratização. Todo mundo queria votar. Os carros tinham plásticos fazendo propaganda dos candidatos, a eleição era discutida em tudo quanto é lugar. Uma beleza.
Eu votava no Aero Clube de Volta Redonda. Naquele dia eu e meu melhor amigo, que também estreava seu título de eleitor, saímos cedo de casa. Fizemos uma boa caminhada pelo meio do mato para cortar caminho, incluindo atividades como saltar sobre valas (quem disse que no interior não existe aventura?) e chegamos lá. Abri aquela cédula enorme (eram mais de 20 candidatos!) marquei o x no meu candidato e depositei o voto na urna com o coração a mil por ora.
Naquele dia eu votei em Leonel Brizola. Natural: meus pais votaram nele, assim como quase toda a minha família, a maioria dos meus amigos, a minha namorada, meus colegas de turma. Volta Redonda era uma cidade operária, com um fortíssimo sindicato brizolista, a atmosfera era essa mesmo. Se era brizolista ou anti-brizolista. Fiquei com a primeira opção. E não me arrependo.
Quando lembro daquele dia ensolarado chego a me chocar com as diferenças na atmosfera política em relação aos dias de hoje. Meus alunos não têm 10% do entusiasmo que eu tinha naquele tempo em relação ao fato de votar. O que evidentemente tem um lado bom. Significa que a democracia para eles é um dado, algo natural. Por esse lado, o Brasil melhorou muito.
Por outro lado eu sinto falta daquele entusiasmo. Daquele engajamento. Acho que todos nós que vivemos aquele momento cometemos um gravíssimo erro. Achávamos que todos os problemas do Brasil eram culpa da ditadura, e que assim que pudéssemos votar tudo se resolveria. Não era bem assim. Somos humanos, votando em candidatos humanos. Não poderíamos ter colocado tanta responsabilidade em nós mesmos.
O resultado foi que descobrimos algo que deveria ser óbvio: nosso voto não era mágico. O Brasil melhorou nesses 23 anos, mas não virou outro país. Ao invés de entender isso, simplesmente nos desiludimos. Concluimos que político não presta e que eleição não muda nada. A amargura contra a política se generalizou.
Quase um quarto de século depois acho que é hora de revermos isso. Votar não é mais uma conquista, é um direito adquirido. Mas não é algo que vai resolver nossos problemas. Talvez seja mais útil ver uma eleição como um momento em que damos nosso recado. Em que temos a oportunidade de ser ouvidos. Menos como uma varinha de condão e mais como um momento em que a sociedade diz o que pensa. Muitas vezes a sociedade não vai dizer o que queremos. O que não quer dizer que ela esteja errada. Aceitar isso também é parte da democracia.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

E se eu fosse um político de esquerda?


Sou um opositor de esquerda ao lulo-petismo. Acho que nos 10 anos de governo petista houve avanços nada desprezíveis, mas não aprecio nem um pouco o modelo adotado, que a meu ver é muito tímido na redução da desigualdade. Somos muito ruins nesse quesito, e avançando tão lentamente a coisa não vai ficar bem tão cedo.
O diabo é que quando você olha para outros países governados por políticos progressistas não vê nada muito diferente. Os demais governos esquerdistas sul-americanos adotam modelos distintos, mas em linhas gerais não são lá muito diferentes. O mesmo vale para os governantes dos países do Atlântico Norte que pertencem a partidos mais progressistas.
A grande questão é que todo o espectro mais à esquerda falhou clamorosamente em se reinventar após os sucessivos choques dos anos 70 e 80. O socialismo soviético morreu, o Estado de Bem-Estar entrou em colapso, os sindicatos perderam toda a força e a classe trabalhadora está mais preocupada em salvar seus empregos que em lutar por melhorias.
Em suma, os projetos ideológicos do arco esquerdo da política faliram, e sua base social mudou bastante. Era necessário uma reinvenção. Avaliar o que deu errado, manter o que deu certo, adaptar as velhas idéias à nova realidade. Mas isso simplesmente não aconteceu. A esquerda não criou nada de novo nas últimas décadas. Enquanto isso, os neoliberais tomavam o mundo de assalto, com sua receita simples: tirar o Estado de campo.
Assim, os partidos progressistas mundo afora só encontraram uma alternativa: recuperar velhas fórmulas. Em especial o velho populismo latino-americano: políticos carismáticos comandando um arco duvidoso de alianças mas convencendo a população de que a protegerá de uma elite voraz. E não vale só para a América Latina: Obama mesmo não está longe disso.
É possível governar bem assim. Mas este velho militante esquerdista se sente incomodado com o vazio ideológico que impera na esquerda. No entanto, infelizmente é preciso reconhecer que esses políticos não tem opção. Nós, intelectuais esquerdistas, falhamos monstruosamente em reformular as ideologias que embasam nossa visão de mundo (se é que tentamos fazer isso). Assim, só sobrou aos políticos progressistas requentar ideia velha. Nesse caso a culpa não é deles.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O Brasil visto pela Argentina

No post de ontem expressei meu desgosto por ter de ouvir um monte de gente o tempo todo me perguntando "como são os argentinos", em especial se eles gostam de brasileiros. O pecado da pergunta está em se presumir que 40 milhões de pessoas pensem a mesma coisa sobre qualquer tema que seja. Ou seja, se uniformiza o outro, o que é muito comum, infelizmente. Deixa eu tentar explicar como funciona a partir de alguns exemplos.

Meu grande, imenso, gigantesco amigo Horácio me dizia hoje que não entende que diabos nós brasileiros, vamos fazer na Argentina. Para ele somos um pais quente e alegre, enquanto a Argentina é fria e deprimente.  Claro, meu amigo é fã do Brasil. Traduziu até um livro de Lima Barreto para o espanhol. Há muitos que pensam como ele.

Já minha amiga Valéria, comunista de carteirinha (como se dizia no meu tempo), acha outra coisa. Ela não tem nada contra brasileiros, mas tem ressentimentos contra o que acredita ser um imperialismo brasileiro em relação á América Latina. Por outro lado, tampouco entende como eu goste tanto da Argentina, que na opinião dela não é um país sério.

Anteontem um taxista não quis me levar para onde eu ia, dizendo que era um lugar perigoso. Mentira, o lugar não tem nenhum perigo. Já o dono de um estabelecimento onde eu gosto muito de tomar umas cervejas vive me destratando sem qualquer motivo (por isso parei de ir lá), e é só comigo. Claro: não gostam de brasileiros.

Por outro lado, vários comerciantes (incluindo o dono do restaurante que eu mais frequento e o dono da loja de materiais esportivos onde compro os presentes futebolísticos que sempre me pedem para levar) aprenderam várias palavras em português e me atendem da melhor forma que se possa imaginar. Certamente uma mistura de simpatia por nós com a percepção de que brasileiros deixam fortunas por ano em Buenos Aires, e que nenhum comerciante pode perder essa chance (certíssimos eles).

Todas essas percepções são bastante comuns. Há outras, mas acho que o recado está dado. E não vale apenas para os argentinos em relação aos brasileiros. Vale para qualquer comunidade humana. Nenhum grupo é uniforme, muito menos aqueles que possuem milhões de membros. Por isso mesmo sempre é tolice tentar definir esses grupos a partir de ideias gerais. Se houve algo que aprendi nas minhas andanças por essa vida é que quando você vê qualquer povo de perto, você se dá conta que qualquer generalização que se faça sobre ele é estúpida. A tentação é forte, mas o melhor é tentar evitar sucumbir a esse tipo de coisa.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O Brasil visto de fora


Nós, brasileiros, temos a insuportável obsessão das identidades regionais e nacionais. Por ter tido uma vida cigana, sou torturado permanentemente com perguntas tipo "é verdade que os paulistas são arrogantes?" "por que os gaúchos odeiam o resto do Brasil?" "quem você gosta mais, mineiros ou fluminenses?". Desisti de tentar argumentar que as coisas não funcionam dessa maneira. Que qualquer lugar tem todo tipo de pessoa, ainda que sempre haja traços mais fortes em um lugar que em outro. Simplesmente respondo qualquer coisa e curto o fato de minha fé na humanidade diminuir mais um pouco.
Em relação aos argentinos isso ganha tons mais severos. O fato de ter uma ligação profissional e pessoal com este país me condenou a uma vida respondendo perguntas sobre a arrogância argentina e ouvindo discursos sobre a maravilhosa Paris latino-americana que é Buenos Aires. Desisti de tentar explicar que quando estou aqui minha preocupação principal é curtir meus amigos queridos, e que quando estou com eles a última coisa que me lembro é que são argentinos.
Mas claro, sair do Brasil sempre faz a gente pensar em nosso país. Inevitavelmente ficamos comparando as coisas, notando as diferenças, etc. No meu caso, a tendência é me aborrecer ao ver quanta coisa o Brasil tem de ruim por pura vontade própria. Somos um país terceiro mundista, então claro que não dá pra querer que tenhamos um padrão de vida nível Suécia. Até aí tudo bem. Mas e quando você vai para outro país de terceiro mundo, mais pobre que o Brasil, vivendo um momento econômico pior (e não é de hoje), e que tem um monte de coisas melhores simplesmente porque decidiu que as teria?
Fomos nós, brasileiros, que decidimos copiar os americanos na crença de que só anda de transporte público quem é derrotado (tenho vários amigos argentinos com boas condições de vida que nem tem carro). Resultado: ficamos reclamando do trânsito, como se fosse Deus quem tivesse entupido nossas cidades de automóveis. E não fazemos a menor questão de ter um bom serviço de transporte, já que só queremos saber dos nossos carros. Resultado: Buenos Aires tem uma malha de metrô muitíssimo maior que a de São Paulo, que é quatro vezes maior em população.
Fomos nós, brasileiros, que decidimos que a educação não é importante. Nada teria nos impedido de fazer como os argentinos, que transformaram a educação em obrigação do Estado há quase 130 anos. Absolutamente nada nos impede de fazer com que nossas escolas públicas ofereçam a opção de que as crianças passem 8 horas por dia por lá (aqui os pais podem escolher, 4 ou 8 horas).
Esqueça essa coisa de que Buenos Aires é "européia". De europeu aqui só há a ascendência da maioria da população e o frio assassino. Fora isso, é uma metrópole terceiro mundista, que tem coisas melhores e piores que as nossas grandes cidades. A grande questão que me incomoda é que a maioria das coisas que Buenos Aires tem de melhor passam simplesmente pela vontade. Aqui o transporte público é melhor, o trânsito também, a educação é muito superior, a cidade é mais cuidada que qualquer grande cidade brasileira. Tudo questão de vontade. Se a gente quisesse poderia ter isso tudo. Não temos porque não queremos. Simples assim.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

O "Herói" Joaquim Barbosa


Pelo que noto, Joaquim Barbosa se transformou em um herói para muita gente. O  ministro do Supremo virou um superstar por seu voto condenatório dos réus do chamado "mensalão". Nessa linha, ele teve a "coragem" de botar os "corruptos na cadeia".
Essa visão é no mínimo muito mal informada. O Brasil não é uma terra sem lei. É uma democracia constitucional com três poderes independentes. Barbosa pertence à elite do poder judiciário, e não pode sofrer qualquer sanção dos poderes executivo e legislativo. Tem toda a liberdade do mundo para proferir seus votos como bem entender sem precisar se preocupar com consequencias. E é muitíssimo bem pago para isso.
Então vamos arredondar isso. Você pode ter achado o voto dele absolutamente perfeito (eu me perguntaria antes: "estou realmente bem informado sobre as provas produzidas contra todos os réus, para ter tanta certeza que tal voto foi certo e tal voto foi errado?", mas vá lá, pulemos essa parte). Que seja. Mas "coragem"? "Heroísmo"? Aí não, né, pessoal? Na melhor das hipóteses ele votou corretamente. Mas convenhamos: é pra isso que ele é pago, né? E que "coragem" é essa? Ele não correu nenhum risco por ter feito o que fez. É como se eu me vangloriasse dizendo que tive a coragem de dar uma boa aula. Ou um taxista se dizendo herói por ter levado seu passageiro ao destino certo.
Claro, existe uma ideia generalizada (e longe de ser injustificada) de que a impunidade reina neste país. O que significa que qualquer denúncia é tida como verdade por todos. E significa também que quando alguém é absolvido seu nome não fica limpo, pois pensamos "grande coisa ser absolvido, todo mundo é". Sendo assim, quando surge o mensalão presumimos que é tudo verdade (pode até ser que seja, não duvido, só não me acho bem informado o suficiente sobre o assunto para opinião tão peremptória), mas que todos serão absolvidos como sempre. Nesse contexto, um ministro que vota pela condenação de todos os envolvidos parece mesmo um herói. Ainda que não seja.
Mas o que me incomoda mesmo nisso tudo é outra coisa: é o que isso mostra sobre a oposição no Brasil. Eu sou oposição ao governo federal, voto nos partidos mais à esquerda. Mas reconheço: a oposição ao lulo-petismo está perdida. O apoio ao governo é maciço, a população está satisfeita e não há de fato indicadores que isso mudará no curtíssimo prazo. Claro, uma solução honesta seria manter-se o discurso (liberal para os oposicionistas de direita, socialista para os de esquerda) e esperar que os ventos mudem. Mas política não é assim. Política é o espaço do prazo curtíssimo. Então é necessário arranjar algo urgente para atirar no governo.
A solução foi tentar colar no governo o rótulo de corrupto. Até aí nada contra: se descobrirem coisas do tipo têm mais é de denunciar mesmo. A questão é que isso tem sido feito em um insuportável tom moralista, ao velho estilo da UDN golpista tentando desestabilizar governos com os quais não concordava. Esse discurso nós sabemos onde chegou: "todo político é corrupto, é preciso vir alguém de fora limpar a área e botar os bandidos na cadeia". Os militares gostaram da ideia e sabemos onde isso deu.
Esse discurso poderia até ser normal na boca do DEM ou de gente tipo Boris Casoy ou Marcelo Tas. Mas foi encampado em grande medida pelo PSDB, que não tem coragem para manter seu discurso neoliberal por avaliar que o povo hoje em dia não quer nem ouvir falar nisso. E mesmo gente da oposição á esquerda do governo já começa a abraçar isso. Uma tragédia.
A tragédia não é denunciar corrupção no governo. Mas ter nisso a única bandeira. Seguimos assim e aparece um messias falando em moralizar o país. Quem viveu a eleição de 1989 sabe onde isso pode dar. Vamos mudar o discurso. Falemos que o país se desenvolve apenas à custa de uma expansão brutal dos gastos públicos (ou seja, não é um crescimento sustentado; na primeira crise o governo fecha a torneira e o crescimento acaba). Que a desigualdade diminuiu pouco (segundo alguns) ou não diminuiu em nada (segundo outros), e que apenas houve a entrada de novos consumidores no mercado (mas o andar de cima ganhou ainda mais no processo, então em termos relativos ficou tudo igual, ainda que em termos absolutos não). Reclamemos do enorme espaço que partidos sem nenhuma ideologia desfrutam no governo. Critiquemos a total ausência de limites das concessões que Lula e Dilma fazem a esses partidos para os manterem na base aliada. Ou a falta de sensibilidade do governo petista com demandas que incomodem os partidos conservadores ou religiosos (o homossexualismo, por exemplo).
Critiquemos o governo, pois esse é o papel da oposição. Não perdoemos a corrupção, mostremos intolerância ao "ah todo governo tem corrupção, então pra que ligar?", pois essa é a função do cidadão. Mas por favor, evitemos a tentação de ficar obcecados apenas com o tema da "moralização". Na última vez que fizemos isso, levamos um Collor na testa. Na penúltima uma ditadura que destruiu o país. Precisamos mesmo de uma terceira experiência como essas para aprender que papel de oposição é apresentar alternativas de poder e não se agarrar a moralismo que rapidamente se degenera em messianismo político?
Em suma, qual oposição contribui mais para o país. A que critica, aponta equívocos, constrói um projeto decente e vai á luta eleitoral ou aquela que busca o messias que vai nos redimir da corrupção generalizada (agora é o Joaquim Barbosa, amanhã sabe deus quem pode ser)?

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Brasil 190


Há 190 anos D. Pedro I fazia o gesto que o imortalizou. Ou seja: hoje é dia de falarmos sobre como nosso país já começou com um arranjo familiar, ao contrário dos vizinhos, e que isso mostra como somos uma droga e zzzzzzzzzzz
Gozado que isso parte de uma perspectiva que nós, historiadores, detestamos. No primeiro período de graduação já aprendemos que é tolice essa coisa de ir buscar uma origem que explica tudo o que veio depois. Ou seja, essa coisa de dizer que nossa Independência foi fuleira e portanto o país é uma porcaria não tem qualquer base. Mas muita gente boa repete isso com boca cheia.
Na verdade o fato curioso é que essas pessoas apenas mostram ser presas fáceis de uma construção histórica. Tipo: por que comemoramos a Independência no dia 7 de setembro? Havia outras opções disponíveis. O Dia do Fico mesmo poderia ser uma boa escolha. Ou o momento em que D. Pedro decretou que as leis portuguesas precisariam da aprovação dele para vigorar aqui. Ou ainda o 2 de julho de 1823, quando a resistência portuguesa finalmente é derrotada na Bahia.
A resposta é clara: porque os organizadores do nosso Estado não queriam enfatizar uma forte ruptura. Preferiam que a nova nação começasse sua vida sob a égide do consenso. Então nada melhor que o jovem imperador levantando sua espada contra ninguém no meio do nada. Melhor ainda: o episodio colocava D. Pedro e seus auxiliares como únicos sujeitos da história.
Imagine se nossa Independência fosse comemorada no 2 de julho. Implicaria em coisas que aquelas pessoas não queriam nem sonhar. Sangue, batalhas encarniçadas, conflito, negros e pobres em geral morrendo pela causa nacional. Nem pensar numa coisa dessas. O quadro de Pedro Américo consolidou de vez essa visão em que o povo assistia pasmo ao nascimento de uma nação forjada apenas por sua elite.
Que naquele momento essa ideia tivesse sido adotada pelos fundadores da nação eu entendo perfeitamente. Lhes convinha totalmente. Mas como explicar o fato de tanta gente esclarecida e estudada repita essa tolice, só que em tom negativo? E, ainda pior, vendo nisso uma espécie de maldição eterna para nosso país, que por ter nascido "em pecado", jamais será feliz?
Esse é o tipo de coisa que mostra que, no afã de desmoralizar a história oficial (aquela dos "heróis da pátria" que eu cheguei a conhecer na escola) nós provavelmente erramos a mão em certas coisas. Acabamos tendo facilidade demais em condenar todo e qualquer episódio da nossa história, sem por vezes ter a sensibilidade de discernir os momentos em que nossa história de fato é bonita. Não para nos dizermos os melhores, mas apenas para reconhecer que como qualquer país, o nosso também tem coisas boas.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Massacre de Munique: terrorismo e fundamentalismo


Nos quarenta anos do Massacre de Munique, vejo que muitas pessoas presumem que o grupo que esteve por trás desse episódio imperdoável era formado por fundamentalistas islâmicos. Um erro que não chega a ser exatamente surpreendente. Os esforços norte-americanos e israelenses para igualar islamismo, fundamentalismo e terrorismo já dão frutos como esse há muito tempo.
Islamismo é uma religião, como qualquer outra. E como qualquer outra (incluindo as ocidentais do ramo judaico-cristão) possui grupos fundamentalistas, que acreditam na leitura literal dos textos sagrados e pretendem impor suas crenças aos demais na arena pública. Terrorismo é uma metodologia de intervenção política que não tem nacionalidade, ideologia ou religião, estando presente no histórico de quase todas as tradições políticas.
Um exemplo disso é que os próprios israelenses cansaram de usar o terrorismo como arma contra os ingleses, para conseguir o direito a seu território. Menachem Begin, futuro primeiro-ministro israelense, direitista e combatente do terrorismo islâmico, coordenou pessoalmente um ataque terrorista a um hotel que causou a morte de 91 pessoas, em 1947. Logo, ainda que tentem desesperadamente apagar isso de seu passado, os israelenses fizeram exatamente o que agora condenam nos palestinos.
A questão é que tanto o terrorismo quanto o fundamentalismo se expandiram no mundo islâmico a partir de um ponto comum: o colapso do nacionalismo árabe. Após a 2a guerra surgiram inúmeros líderes carismáticos na região, que com um discurso fortemente nacionalista conseguiram fazer com que a maior parte das receitas do petróleo ficassem em seus países (o mais famoso de todos era o egípcio Gamal Abdel Nasser).
O problema é que a médio prazo ficou evidente que esses políticos tinham simplesmente se transformado em ditadores milionários, enquanto seus povos ficavam à míngua. Igualmente ruim, o nacionalismo árabe não conseguiu nem garantir um estado para os palestinos nem conter a expansão israelense. A vergonhosa derrota na guerra de 1967 foi o último capítulo dessa história. Para muitos árabes era o que faltava para confirmar a certeza de que a situação era desesperadora e as medidas tinham de ser radicais.
Nesse contexto o terrorismo ganhou força. A princípio um terrorismo laico, sem ligações maiores com lideranças religiosas. Naquela fase, tratava-se de uma medida radical para atingir objetivos que não eram alcançados nos campos político, militar e diplomático. Nada muito diferente do que naquele momento faziam o IRA e o ETA, e os próprios isralenses haviam feito um quarto de século antes. É nesse contexto que se situa o Massacre de Munique.
A mudança seguinte viria apenas em 1979, com a Revolução Iraniana. Ali o fundamentalismo islâmico dava o grande salto, e se apossava de um dos países mais importantes da região. Seu discurso tradicionalista incluía a rejeição dos valores não tradicionais e estrangeiros, bem como da corrupção dos governos vigentes na região. Tais ideias soaram como música nos ouvidos de muitos que se dedicavam ao terrorismo, fazendo com que os dois grupos passassem a ter um importante campo comum: o ódio a Israel e os EUA.
Associações entre terroristas e fundamentalistas se tornaram algo comum, ainda que as duas coisas sigam longe de ser sinônimas. Há afinidades, mas não uma simbiose. De toda forma, é uma história que não diz respeito ao Massacre de Munique. Há 40 anos, o terrorismo árabe ainda não havia visto o fundamentalismo como um aliado primordial.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O Julgamento do Mensalão

Finalmente chegou a hora do julgamento dos réus do assim chamado "mensalão". O "julgamento do século" tem atraído muita atenção das pessoas. Todo dia escuto gente avaliando os votos dos juízes. Para alguns, todos os que votam pela absolvição de um réu que seja são coniventes com a corrupção. Para outros, qualquer voto pela condenação de alguém é "direitista".
Acho que podemos começar concordando com o seguinte: 99% das pessoas que emitem tais opiniões não tem a mais vaga ideia se as provas apresentadas comprovam ou não a culpa dos acusados. É uma coisa bem simples: quem é da oposição acha que todos são culpados e que esse é o governo mais corrupto da história; quem é governista acha que toda e qualquer acusação ao governo é parte de um plano da direita e da mídia para sabotar um governo que revolucionou o país.
Até aí não vejo nada errado. Política é assim mesmo. Esperar que muita gente consiga fugir desse maniqueísmo é pedir muito. O problema me parece ser outro: essas pessoas acham que a justiça é obrigada a tomar decisões baseado em critérios como esses. Aí a coisa fica feia.
Pois isso revela uma tremenda incompreensão do que seja o papel do Poder Judiciário. Veja: claro que não acredito na ficção de que esses juízes são "neutros", "imparciais" ou coisa que o valha. Todos tem convicções pessoais, quando não ligações políticas, que informam seus votos em qualquer julgamento. Não há como escapar disso. Basta lembrar que a partir do início dos anos 1980 a ideia de que era válido matar a esposa "por amor" deixou de ser aceita, sem que nenhuma lei tivesse mudado. Claro que isso refletia uma mudança política.
No entanto, a função desses juízes é decidir baseado nas provas apresentadas. Eu não entendo lhufas de direito nem estou acompanhando o julgamento. Mas pessoas que respeito e que tem seguido o processo afirmam que algumas acusações foram muito bem fundamentadas em provas, outras nem tanto e algumas outras simplesmente não tiveram comprovação.
Convenhamos que isso faz sentido. Inclusive porque provar corrupção é algo frequentemente muito difícil. Às vezes tudo sugere que houve enriquecimento ilícito, mas não dá para provar. Em outros casos a acusação simplesmente não faz sentido mesmo. Acontece. Deve ter tudo isso aí no meio de um julgamento de tantos acusados.
Se de fato foi assim, nada mais natural que alguns sejam condenados com rigor, outros peguem penas leves e outros sejam absolvidos. Normal. Não há motivo para que alguém espere outra coisa. O que não dá é para achar que acusação implica necessariamente em culpa comprovada ou que signifique absolvição porque "a mídia é golpista". Quem diz coisas assim simplesmente não entende o que está acontecendo. Na verdade nem entende o conceito de "três poderes". Vamos com calma.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O país que se orgulha da desigualdade

Li que a ONU soltou o resultado de um estudo profundo sobre as cidades latino-americanas. O resultado é que o Brasil tem o dobro de pobreza urbana que Uruguai, Argentina e Chile, nessa ordem os 3 melhores colocados. Perdemos feio em distribuição de renda para Uruguai e Venezuela, os primeiros colocados. Antes a Unesco já havia nos apontado como o país latino-americano com os piores indicadores educacionais.
Isso serve para muitas coisas. Primeiramente, é um soco na cara dos que retratam os governantes desses países como demagogos de tons autoritários que gerenciam pessimamente a economia nacional graças às suas medidas econômicas "heterodoxas" (leia-se "não liberais"). Essa gente, que a imprensa adora ouvir, parece não se importar muito com esse tipo de coisa. Mas alguém com um mínimo de criticidade deveria estar atento a isso. Note que não necessariamente defendo esses governos, apenas digo que é preciso tomar cuidado com certas avaliações muito apressadas e de acentuado viés ideológico.
Segundo: é preciso tomar cuidado também com o triunfalismo dos que acreditam que o Brasil passou por uma revolução e é um país rico. Desenvolvimento é ótimo, inflação controlada também. Mas o país é o mesmo de sempre, só que melhor. Continuamos sendo um país extremamente desigual, e onde os mais pobres (que infelizmente são muitos) vivem em situação de extrema vulnerabilidade. Como qualquer um sabe, crescimento é uma parte da solução, mas se não vier acompanhado de uma distribuição mais justa, isso ajuda pouco.
Em tempo, isso não é uma crítica dirigida especificamente a este governo. Não é em 10 ou 15 anos que se muda um quadro desses, que na verdade é uma característica que ostentamos há décadas. A crítica é aos governistas mais ingênuos que acreditam que os 10 anos de governo petista mudaram essa realidade, algo que é desmentido por qualquer pesquisa minimamente séria. Nenhum governo conseguiria isso, mesmo que tentasse (o que não me parece ser o caso).
Mas o pior de tudo é o fato de termos interiorizado que tudo isso é extremamente normal. Adoramos fingir que o real problema do Brasil é ser um país pobre, e que quando resolvermos isso, a pobreza, a desigualdade e o péssimo sistema educacional desaparecerão por encanto. O que essa pesquisa mostra é que isso não é verdade. Por mais que tenhamos nos desenvolvido e possamos ostentar uma economia muito maior que a desses países vizinhos, continuamos a ser surrados por eles nos indicadores sociais.
E aí chegamos a esse resultado. Um país em que os mais abastados preferem pagar muito caro por coisas como I-phones, TV a cabo, tablets e carros que lá fora são tidos como comuns, só para que outros não o tenham. Se orgulhar de pagar preços exorbitantes para excluir a massa do consumo como forma de atingir uma distinção social. Taí a marca de um país onde a pobreza e a desigualdade se transformaram em algo visto como parte natural da vida.


sábado, 18 de agosto de 2012

Guia para uma eleição proporcional

O leitor deste blog sabe muito bem que o 171nalata tem uma tendencia opinativa. Mas se for possível, gostaria de abrir uma exceção e fazer um post com um tom um pouco professoral.
É que além de prefeitos, escolheremos também vereadores nesta eleição. Ou seja, teremos uma eleição proporcional, do mesmo tipo que elege deputados federais e estaduais. E o sistema que adotamos é frequentemente muito mal entendido.
Na verdade o que não se percebe é que o sistema proporcional nada mais é do que uma variante do voto de lista. Que é aquele sistema em que cada partido ou agrupamento apresenta uma lista, e nós votamos naquela que gostamos mais. E no fim cada lista elege representantes proporcionalmente aos votos que teve.
Digamos que uma lista qualquer teve 30% dos votos, e que isso significa colocar oito representantes lá. A lista em questão fornecerá oito parlamentares. Quem serão eles? Os oito primeiros da lista. Quem ordenou a lista decidindo quem serão os primeiros? A cúpula partidária.
O nosso voto é assim. Mas tem uma variação: no exemplo hipotético, os oito primeiros não são os que os políticos definiram, mas os oito mais votados pelo eleitorado. Em outras palavras, funciona assim. Quando votamos, na verdade fazemos dois votos em um. Para começar escolhemos a lista que preferimos. Em seguida escolhemos o nome que gostaríamos que fosse eleito naquela lista.
Dito de outra forma. Quando votamos no candidato x da chapa y estamos fazendo duas coisas ao mesmo tempo. Estamos dizendo em primeiro lugar "quero ser representado por pessoas da lista y". Em segundo: "e na lista y quero que o candidato x seja meu representante".
Então é mais importante escolher a lista do que o candidato que está nela? Sim, exatamente. Se você quer votar bem, não comece escolhendo um candidato. Comece analisando as listas. Pois seu voto pode parecer ser dirigido a um candidato, mas não é. Você está escolhendo uma lista, e apenas secundariamente ajudando seu candidato a se posicionar melhor naquela lista.
Se vai votar para vereador ou deputado federal/estadual, faça o seguinte. Não pense em nomes. Olhe a lista da candidatos que cada um oferece. Pois você está votando naquela chapa como um todo. Aí, tendo escolhido a lista que mais te agrada, veja quem é o nome que voce mais gosta entre os que são oferecidos. Esse é seu candidato.
Pois imagine o contrário. Pense que tem um candidato que você gosta numa lista que você detesta. Se você votar nesse cara e ele não ganhar, você terá ajudado a eleger gente que não te agrada. Faça o oposto. Escolha uma boa lista e vote no nome que mais te agrada nela. Se ele não se eleger, alguém daquela lista estará eleito, e você se sentirá representado.
Logo: quando você vota no médico gente boa ou no amigo que faz um bom churrasco, na verdade você não está votando apenas neles. Essencialmente você está endossando uma lista que nem conhece. Não faça isso. Analise bem todos os que estão na lista do seu candidato. Sob pena de eleger alguém que você odeia sem nem se dar conta disso.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Brasileiro não sabe votar?

Sempre me senti muito incomodado com essa ideia que temos de que somos um povo ignorante que só elege políticos ruins. Sempre houve algo que me incomodou nisso, sem que eu entendesse bem o que. Aí um dia escutei o Mário Covas dizendo algo tipo "o povo não vota mal, ele vota a partir dos candidatos que tem e das informações que recebe". Bingo. Era isso mesmo.
A questão da informação é óbvia demais para ser discutida. Somos um país que perde de forma avassaladora nos quesitos educação, informação e politização para outros mais pobres que o nosso, basta dar uma olhada na nossa vizinhança. Escolhemos isso, e reafirmamos essa escolha diariamente. E não é questão de grau de instrução. Conheço gente demais com muitos anos de educação formal que é totalmente mal informado sobre o que se passa no país.
Mas acho que realmente não damos a atenção merecida a uma coisa: as opções que são oferecidas ao eleitor. Como qualquer pessoa sensata, essa semana fiquei assustado ao constatar que existe uma possibilidade muito concreta de que o Celso Russomano seja prefeito de São Paulo. Uma pobre cidade repleta de problemas urbanos, e que sofreu com inúmeras administrações calamitosas nos últimos 30 anos, e vive um pesadelo que parece longe de acabar.
Um caminho adotado por muitos é o clássico "brasileiro é ignorante" (como se quem falasse fosse um dinamarquês que nasceu aqui por engano). Ou, num viés mais bairrista, "paulista/paulistano gosta de porcaria". Mas vamos pensar numa coisa: quais as opções oferecidas ao eleitor?
Como já disse aqui e todo mundo sabe, José Serra não tem a menor vontade de ser prefeito de São Paulo. Só é candidato por dois motivos: o partido teme perder o controle da maior cidade do país e muitos querem  que ele se eleja para ficar constrangido a abandonar o posto e disputar novamente a presidência daqui a dois anos. Apesar de seu longo histórico e experiência, Serra não anda empolgando muita gente.
O PT oferece ao eleitor um nome completamente desconhecido, ao invés dos inúmeros nomes muito mais tradicionais do partido. Uma concepção de Lula: nomes como Marta ou Mercadante são demais associados ao PT e poderiam assustar o eleitor mais conservador. Nesse caso, um nome novo, basicamente associado à Lula, seria mais palatável. Em suma: na expressão "lulo-petismo", Haddad é mais "lulo" e menos "petismo", ao contrário dos outros.
Tudo isso porque Lula acha que é o momento ideal para que seu partido finalmente consiga uma vitória expressiva no estado em que nasceu, se desenvolveu, mas nunca governou, além de estar fora da prefeitura há oito anos. Até agora a estratégia foi um fracasso total. E nem poderia ser diferente. Numa eleição cheia de nomes conhecidos, só mesmo os petistas de carteirinha votariam num candidato assim. Ao menos até começar o horário eleitoral.
Aí temos os outros candidatos, que são tão patéticos que é melhor nem mencionar.
No fim, o que acontece é que o eleitor comum, não muito politizado ou totalmente alheio á política, fica perdido. Se coloque no lugar dele e você sentirá muita dificuldade. Aliás, eu que acompanho o máximo que posso já me sinto perdido. Entendo esse eleitor. Não votaria no Russomano, claro. Mas, num cenário tão desolador, não vejo muito como censurar nenhum tipo de voto.
Em tempo: falei de São Paulo por ser a maior cidade do país. Mas não conheço nenhuma outra em que as coisas sejam substancialmente diferentes do que se passa por lá.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Bipolaridade Brazuca


Não vi a festa de encerramento das Olimpíadas, mas pelo twitter acompanhei a repercussão. Basicamente havia dois tipos de opinião. A primeira achava tudo lindo e maravilhoso, exceto quanto à parte brasileira, deplorada por ser cheia de clichês. O outro lado atacava o primeiro, os chamando de um bando de vira-latas que odeiam o Brasil e acham tudo no estrangeiro é maravilhoso.
Essas visões radicalmente opostas no fundo partem de um mesmo pressuposto: o de que o Brasil está destinado a ser o melhor país do mundo. Você conhece o papo: um país enorme, sem desastres naturais, que em se plantando tudo dá, uma população racialmente variada, natureza maravilhosa, etc. etc.
O primeiro grupo, o do complexo de vira-latas, nada mais é do que um bando de gente que comprou esse discurso, mas não viu sua realização prática. Aí passa a achar tudo aqui uma porcaria, e por comparaçao todos os os outros do mundo parecem legais. O segundo grupo, claro, acha que o Brasil é essa beleza mesmo.
No fundo os dois lados são filhos da mesma megalomania que nos caracteriza de forma tão intensa. Temos a total obrigação de ser os melhores do mundo. Se não conseguimos, assumimos instantaneamente que somos os piores. Somos os melhores no futebol, na música, nas praias, na beleza feminina, etc. Somos os piores em política, educação corrupção, etc. Não podemos ser os 23o, 78o ou 112o. Temos de ser os melhores ou os piores. Megalomania pura.
Acho que o grande erro é pensarmos que somos um país predestinado a ser gigantes. Deveríamos nos ver como um entre 200 países do mundo. Todos tem potencial para alguma coisa e dificuldades em outras. Somos realmente bons em muitas coisas, mas há dezenas de outros países que são bons nessas mesmas coisas. Qualquer coisa que você pensar que o Brasil é ruim, certamente encontrará outro que é bem pior no mesmo quesito.
É estranho, pois não temos esse grau de exigência nem sobre nós mesmos. Jamais esperaríamos ser os melhores do mundo em tudo, e se não conseguíssemos, não nos acharíamos um lixo. Aceitamos de forma passavelmente tranquila que somos bons em algumas coisas, medianos em outras, ruins em outras. Não somos os melhores do mundo em nada, nem os piores em nada. Qual o problema em ver o nosso país da mesma maneira?

domingo, 12 de agosto de 2012

Consequências do diploma obrigatório


Tenho vários amigos jornalistas, e convivo com muitos outros. Essa experiência me ensinou que jornalistas (ao menos os que têm alguma noção do mundo ao seu redor) são pessoas que se sentem despreparadas em termos de conteúdo, o que sempre os deixa com medo de publicar alguma besteira, principalmente quando se aventuram em temas que não aqueles que trabalham cotidianamente.
Assim, é óbvio que esse movimento pela obrigatoriedade do diploma nada tem que ver com a qualidade do jornalismo. Parece bem óbvio que a imprensa ganharia muito com a contribuição de outros profissionais em áreas mais especializadas. Por exemplo, cansei de ler tolices escritas por jornalistas sobre os temas em que milito profissionalmente (história e educação). Lógico: não tem formação ou prática na área. Como poderia ser diferente?
Claro que essa luta pela obrigatoriedade pelo diploma tem a ver com algo muito diferente: a deterioração da profissão. A convivência com muitos membros da classe me ensinou também que a grande maioria trabalha muito (mas muito mesmo) para ganhar pouco. Assim, pedir a obrigatoriedade do diploma é uma tentativa (muito compreensível, por sinal) de tentar ao menos salvar seu espaço de possíveis invasores.
Sou contra isso, assim como a regulamentação da profissão de historiador, que para mim tem os mesmos defeitos da questão dos jornalistas. Mas vá lá que as duas coisas aconteçam. Pra mim o grande problema é outro. A questão é que isso é o sintoma de um quadro mais amplo que é terrível.
No último meio século o capitalismo mudou muito, na prática transformando o desemprego em um elemento estrutural do sistema. Com isso, os trabalhadores (qualificados ou não) perderam todo o seu poder de barganha, já que cada um está preocupado demais em perder seu emprego para arriscar o pescoço numa greve. Esse é o fator principal do enorme declínio do sindicalismo em todo o mundo.
Quando uma carreira tão politizada, qualificada e bem informada acha melhor uma estratégia corporativa para salvar seus empregos do que lutar por uma melhoria nos salários e nas condições de trabalho, você vê claramente que chegamos a um ponto em que não há mais volta. Greve e demais estratégias de reivindicação deixaram de ser um direito dos trabalhadores, se transformando em um privilégio do funcionalismo público.
PS: acho que ficou claro que sou contra a obrigatoriedade do diploma, e na verdade esse nem era o tema central do post. Mas também não acho o fim do mundo que a medida seja adotada. Sabe o que não me desce de jeito nenhum? Que os mesmos jornalistas que querem que só possa exercer a profissão com diploma achem normal se meter na profissão dos outros. Para dar um exemplo na minha área: querem continuar escrevendo livros de história sem ter diploma na área, mas não querem que historiador escreva em jornal por não ter diploma na área. Pode?

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Agonia Olímpica


Em alguns dias termina a Olimpíada. A nona que acompanho. E pela nona vez vejo o país sair com o gosto amargo de "deveríamos ter ido melhor". Natural. Países mais pobres e/ou muito menos populosos que o nosso se saem muito melhor. É obsceno mesmo.
Para alguns a resposta é simples. Nossos atletas "amarelaram". A esses eu nem respondo. É gente que só vê esportes olímpicos a cada 4 anos. Gente que achava que a Maureen Maggi tinha obrigação de ganhar outro ouro depois de um ciclo tão complicado. A eles digo apenas uma coisa: antes de chamar de "fracassado" quem é o 5o do mundo, tente ser o 1.000.000o do mundo em qualquer coisa. Qualquer uma.
Existe uma outra abordagem, a de culpar nossos dirigentes. Aquela velha ideia: um país com tanto potencial só não vai mais longe pela falta de apoio aos atletas, etc. Essa me agrada bem mais que a anterior. Mas acho que ainda deixa muita coisa de fora.
A primeira: qualquer país que tenha um projeto esportivo minimamente sério tem nas aulas de educação física das escolas um grande aliado. Mas estamos no Brasil, aquele país que não leva a educação minimamente a sério. Então isso não acontece.
Posso falar por mim. Nunca seria um Usain Bolt ou um Michael Phelps, mas eu bem que tinha potencial para o esporte. Era bom em todos os esportes que pratiquei. Mas em mais de 10 anos de vida escolar nunca um professor de educação física me disse (ou a qualquer colega): "voce tem potencial, que tal tentar levar a sério tal esporte?";
Sem falar no seguinte. Judô e natação foram dois esportes em que eu tinha muito talento. Mas só descobri isso porque meus pais me matricularam em academias para fazer esses esportes. Descobri isso sozinho. Mas mesmo sendo elogiado pelos meus mestres e tendo quilos de medalhas em competições dessas modalidades, meus professores nunca tentaram me encaminhar para nada.
Na universidade fui do time de futebol do IFCH, campeão das Olimpíadas da Unicamp em 1993. Também era goleiro da seleção de handebol do instituto que chegou duas vezes às semifinais da mesma competição. Peguei seis pênaltis num jogo até. Fazia o diabo, era cumprimentado por todos. Pensa que algum recrutador ou olheiro estava vendo? Nunca. Joguei contra times espetaculares dos cursos de medicina e engenharia de alimentos. Vi caras que facilmente poderiam jogar na seleção brasileira. Se chegaram lá, não foi porque alguém os viu ali. Certamente foi pelo esforço próprio.
Baseado no que contei, me diga uma coisa. Campinas é uma cidade enorme, próxima à gigantesca São Paulo. Como seria possível que centenas e centenas de universitários praticassem todo tipo de esporte num lugar desses sem ninguém lá para ver se pescava um talento em potencial? Num país que se lixa para esporte.
Mas vamos mais longe. Não neguemos nossa própria responsabilidade. Bem ou mal, temos canais de TV a cabo que passam todo tipo de modalidade olímpica. Alguém assiste? Nunca. Se assistissem eles passariam muito mais. Não passam porque somos um maldito povo que se lixa para esporte, mas quando chegam as Olimpíadas queremos uma chuva de medalhas de ouro. Temos nossa responsabilidade também. Se ligássemos um pouco para esses esportes, eles seriam transmitidos com frequencia, os atletas teriam mais patrocinio, e a coisa seria outra.
No fim me parece que o problema do nosso esporte é o mesmo da nossa educação. Todo mundo quer resultados maravilhosos, mas ninguém quer lutar por qualidade, ninguém quer acompanhar o dia a dia. Aí não dá, né?

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Caetano 70


Caetano Veloso chega aos 70 anos como sempre foi: despertando paixões e ódios. De um lado os que o endeusam, acreditando que tudo o que compõe, canta e fala é absolutamente sublime e genial. De outro, os que não perdoam sua arrogância, verborragia e a certeza aparentemente inabalável que possui de que veio a este planeta para iluminar seus habitantes, quer queiram eles, quer não. E o fato de que se transformou em mais um jovem progressista que se converteu em um idoso reacionário também não ajuda.
Pra ser bem sincero, essas coisas não me interessam muito. Não tenho qualquer gosto em discutir quem é legal/revolucionário/chato/reacionário e quem não é. O que vejo como relevante é o seguinte: quando escuto os discos dele, ouço um artista interessante, com várias canções de alto nível, mas que está abaixo de outros de sua geração. Suas composições são boas, e algumas são ótimas, mas nunca possuíram a força e a densidade de Milton Nascimento, a poesia de Chico Buarque ou a ousadia e criatividade de Gilberto Gil.
A grande questão é que Caetano desde sempre soube se colocar no centro do palco. Começou cedo, elaborando as composições mais emblemáticas do Tropicalismo, um termo altamente problemático que foi coisificado por críticos como se fosse uma realidade palpável e indiscutível. Nos anos 80, quando sua geração inteira declinou, o Caetano polemista se sobressaiu mais do que nunca. Milton embarcava numa viagem world music, Gil se transformava num personagem folclórico e Chico fazia da timidez um marketing involuntário. Enquanto isso, Caetano estava toda semana nos cadernos culturais dos jornais com alguma tese polêmica.
Ou seja, quanto mais velho, mais polêmico Caetano ficava, algo ímpar na trajetória de um artista. Quanto mais o brilho de sua produção musical se apagava (junto com toda a sua geração), mais passava a buscar, não poucas vezes confundindo a provocação inteligente com a busca desesperada pela polêmica fácil, "chocar". A estratégia marqueteira deu certo, e ele virou figurinha fácil no debate cultural brasileiro.
Seguindo essa linha, quando finalmente sua produção musical se apagou por completo, sua estratégia infantil de "chocar" ficou mais desesperada que nunca. Tentou se travestir de historiador do pensamento brasileiro, e convenceu uns poucos idólatras de que entende alguma coisa de autores como Joaquim Nabuco e Sérgio Buarque de Holanda. E passou a mostrar tamanho desespero que seus ataques costumeiros à esquerda começaram a parecer menos e menos "bem pensantes" e mais e mais coisa de reacionário mesmo. E pior: as pessoas pararam de respondê-lo, de se importar com ele.
No fim das contas, Caetano foi engolido por uma contradição que estava presente já no início de sua carreira. Não sendo o mais brilhante de sua geração, usou seu talento para se transformar num ícone. O problema é que não dá pra passar o resto da vida escrevendo manifestos revolucionários e chocando o mundo com provocações inteligentes. E o declínio de sua produção musical o levou a uma postura mais e mais agressiva nesse sentido.
Mas que se ressalte que nada do que foi dito acima muda o fato de que ele foi um artista de muito talento. Principalmente nos anos 60/70 fez coisas muitíssimo boas. Até nos 80 ele conseguiu emplacar umas canções bem interessantes. Isso sim é o que importa.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Não curto eleições para prefeito


Não me entendam mal: eu ADORO votar. Tive a felicidade de crescer em uma família politizada em uma cidade (naquela época) muito politizada. Bem antes de poder votar eu já militava, e tive a imensa sorte de ser da primeira leva de brasileiros que pôde votar antes dos 18. Assim, a 8 dias de completar 17 anos, eu votei pela primeira vez. E também perdi pela primeira vez. Tudo bem. O legal é participar. E sei de cor todos os meus votos, desde aquele em Leonel Brizola para presidente em 1989 até o Lula no 2o turno de 2006.
Mas não gosto de eleição para prefeito. Um pouco é uma mistura de azar com circunstâncias especiais. Em 1992, primeira vez que votei nessa eleição, eu já estudava em Campinas mas tinha título ainda em Volta Redonda. Não deu muito tesão escolher os destinos de uma cidade onde eu já não morava mais. Em 1996 e 2000 votei em Jacó Bittar no 1o turno e tive de encarar 2os turnos entre dois candidatos pavorosos. Na última acabei votando em branco pela primeira e única vez na vida.
Em 2004 e 2008 não votei, pela incrível coincidência de ter mudado de estado nas duas vezes em um momento em que não dava mais tempo de transferir o título (antes de me censurar imagine viajar 800 ou 2 mil km para votar). Ou seja, não sei o que é votar para prefeito desde 2000. Mas sinceramente, não estou com muita saudade.
A grande questão é que não vejo nenhum partido com uma visão de como melhorar o nível de vida sufocante de nossas cidades. Nos anos 1990 parecia que o PT tinha conseguido de fato cuidar bem das cidades que administrava. A questão é que depois de 2002 a realpolitik de Lula e Zé Dirceu fez o partido se aliar com todos os que querem manter tudo como está, inclusive em muitas ocasiões cedendo a cabeça de chapa para eles.
Mas atenção: você não está lendo aqui uma versão do "político (ou partido) é tudo igual". Não é. Como qualquer um pode perceber, PT e PSDB claramente defendem coisas diferentes. Mas a questão é que essa grande diferença ainda não se traduziu em projetos concretos que visem transformar as cidades brasileiras em algo minimamente suportável. Há iniciativas pontuais, mas não uma concepção global que tente de fato mudar algo.
Isso não acontece à tôa. A questão é que PT e PSDB só pensam em uma coisa: ganhar a eleição para presidente. Para eles, eleições em todos os outros cargos são apenas formas de garantir apoios para a eleição para presidente. Seja elegendo gente do próprio partido, seja trocando apoios. Aí chega-se a essa situação, na qual os grandes partidos hegemônicos, mesmo com quadros intelectuais e acadêmicos muito relevantes, não tem nenhum projeto para nossas cidades.
Um exemplo disso é José Serra. Já se elegeu prefeito de São Paulo uma vez, sem nenhuma pretensão de governar a cidade, vendo o cargo apenas como trampolim para se candidatar a presidente. Governou a cidade por 15 meses, sem se preocupar com o cargo, e deixou a cidade nas mãos do lamentável Kassab. Agora se candidata de novo, jurando que cumpre o mandato até o fim. Sabendo-se que é obcecado pela presidência, alguém pode garantir que ele vai esperar até 2018, quando teria 76 anos, para tentar mais uma vez?
Veja: por mais que eu tenha antipatia extrema ao Serra, nesse caso o cito apenas como exemplo óbvio de algo que é muito mais geral. Um país que tem cidades insuportáveis, com qualidade de vida desprezível e problemas urbanos evidentes, mas que não possui um maldito cidadão que ache importante melhorar essas questões. E era pra eu gostar de votar nessas eleições?

domingo, 5 de agosto de 2012

Ser historiador


Há 14 anos eu andava pelas ruas de Campinas ensandecido ouvindo essa música ao lado da minha ex-mulher. Comemorando a vitória de Mário Covas nas eleições para governador em 1998.
Não sou tucano, nem nunca fui. Não sou mais casado com ela há mais de 8 anos. Nunca gostei muito de música francesa. Ou seja, uma repetição dessa cena é impossível.
Mas pensa que eu me arrependo? Nem um pouco. Sabe por que? Havia um contexto.
Eu estava estudando francês para a prova do doutorado, amava essa pessoa e a vitória do Covas impediu o Maluf de se qualificar como favorito para as eleições presidenciais de 2002.
O que estou tentando dizer é o seguinte. Um historiador decente tem de saber que as coisas ocorrem num determinado contexto. Essa coisa de dizer "fulano é malvado" ou "sicrano é ótimo" fica muito bem num filme hollywoodiano ou num livro escrito por um jornalista. Mas para a gente não dá.
Hitler maluco, Stalin carniceiro, Gandhi santo. Tudo isso pode ficar muito bem na tela do cinema. Mas essas pessoas viveram em um contexto concreto, e desenrolaram suas vidas em sociedades complexas. Bons ou maus, feios ou bonitos, eles viveram de forma multifacetada suas vidas. Nem poderia ser diferente. Nenhum de nós, com nossas vidas irrelevantes, tem uma trajetória unidimensional. Imagine essas pessoas, que foram protagonistas de seu tempo.
O bom da história é que ela nos distancia do papel de juízes do passado. Prefiro mil vezes esse papel de analista que o de juiz. O analista assume que precisa compreender melhor o contexto do qual fala. O juiz está cheio de certezas, que só atrapalham a visão.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Professores universitários: os marajás


Me impressionou muito a maneira pela qual grande parte da população, incluindo muitos alunos, se prontificou a aceitar tão passivamente a tese de que a greve dos professores das federais "prejudica os alunos". Até deletei alguns alunos do meu facebook para não ler mais coisas tipo "e aí, os professores estão de férias ainda?".
Claro que isso tem a ver em parte com um triste fato. Somos um povo que não se preocupa com a qualidade da educação. A ditadura dos números na educação, que FHC criou e Lula piorou só aumentou essa tendência. Logo, achar que o que importa é ter o diploma, e dane-se em que condições é algo plenamente coerente.
Mas evidentemente isso também tem a ver com a péssima imagem que temos. Na opinião geral, somos pessoas que ganhamos fortunas para fazer pesquisas inúteis, que não dão nenhum retorno à sociedade e ainda nos damos ao luxo de gastar tempo em guerrinhas de ego. Essa percepção inclui muitos dos meus alunos, por sinal.
A parte dos salários é curiosa. Não vou dizer aqui quanto ganho, mas posso dizer uma coisa. Tenho graduação, mestrado e doutorado na Unicamp. Minha formação universitária levou 11 anos. E ganho menos que todos os meus amigos que fizeram apenas graduação em outra área. Se levarmos a questão para o mundo do funcionalismo federal então, aí é covardia. Pegue um edital qualquer para professor de federal e compare o salário inicial com qualquer outro que exija apenas graduação em outra área. Você ficará chocado.
A parte da "pesquisa inútil" é outra leviandade. Como pode um leigo querer saber qual pesquisa de ponta é útil ou não (nem vamos falar do tópico complicadíssimo que é definir o que é "útil")? Pra falar a verdade, mesmo na área de história há temas inteiros que eu mesmo não estou habilitado para avaliar se uma pesquisa e relevante ou não. Como uma pessoa que sequer pertence ao meio acadêmico pode achar que está em condições de fazer isso?
"Não trazemos retorno à sociedade": como se pode saber se uma pesquisa que ainda nem foi concluída vai ou não trazer retorno? De toda forma, nossa função primordial não é elaborar produtos prontos para o consumo (ainda que possa acontecer). Pode ter certeza: sua vida cotidiana está entupida de coisas utilíssimas que só existem porque foram feitas pesquisas de ponta, cujos resultados foram publicados em revistas acadêmicas em artigos incompreensíveis para um leigo. A partir daí esses produtos aparentemente inacessíveis foram utilizados para revolucionar a sua vida. E pense uma coisa: quando Einstein elaborou a teoria da relatividade ele a publicou em um jornal popular ou em uma revista acadêmica consumida apenas por especialistas? Isso quer dizer que ele fez algo que só influencia a vida de meia duzia de físicos?
Agora a complicada questão do ego. Sim, tenho colegas egomaníacos, os famosos "PhDeuses". Vários deles não toleram críticas, se vingam de forma assassina em quem os contraria no mínimo detalhe e protege seus pupilos em um nível que extrapola qualquer limite ético. Tudo verdade.
Mas diga aí: em que isso nos diferencia de outras carreiras? Somos uma ilha em um universo ético, formado por pessoas humildes? Então pelo que entendo médicos são todos pessoas nobres dispostas a salvar a humanidade sem receber nada em troca, advogados são todos humildes paladinos da justiça, e assim por diante?
Sinceramente, não vejo em que possamos ser diferentes de outras carreiras. Como qualquer categoria sócio-profissional, temos profissionais bons e ruins, sérios e enganadores. E acima de tudo, somos pessoas que tentamos fazer nosso trabalho. Recebendo menos que profissionais que estudaram muito menos que nós. E vendo a sociedade (e principalmente o governo) esquecer algo óbvio: TODOS os profissionais qualificados do país passam por nós. É, falar que nosso trabalho é inútil realmente é muito inteligente.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

O Voto Nulo


Claro que o voto nulo é uma opção disponível, e não há nada errado em utilizá-lo. Uma vez eu utilizei. E imagino quantos paulistanos não devem estar analisando com carinho a hipótese no caso de um segundo turno entre José Serra e Celso Russomano. Mas na verdade essa é a única situação em que eu acho válido o voto nulo: num segundo turno entre dois candidatos que você julgue intragáveis.
Mas não é assim. Tenho notado muita gente disposta a votar nulo. Elas geralmente se dividem em dois grupos. Um é formado por pessoas apolíticas, que se identificam com gente tipo Boris Casoy ou Marcelo Tas. É o tipo de gente que AMA votar em políticos moralistas, tipo Jânio Quadros ou Collor. Para eles, a política é "suja", o que nada mais é do que o reflexo de um mundo moderno que esqueceu todos os seus valores. Quando não aparece um candidato com esse perfil, se inclinam para o voto nulo.
Um outro tipo é bem diferente na forma e bem semelhante no conteúdo em relação ao anterior. Tem um vago discurso esquerdista, mas de tom moralista. Não quer ser confundido com a esquerda tradicional, que julga "falida". Se sente mais a vontade apoiando demandas setoriais, como movimentos gay, ambientalista, etc. Muitos se definem como "libertários" ou algo tão vago e genérico quanto. Adoram dizer, com cara de nojo, coisas tipo "os partidos não me representam". Claro está: o tom contém o mesmo moralismo conservador do grupo anterior. Aliás, em geral essas pessoas são jovens, e a idade os levará para o mundo encantado do moralismo direitista.
Vejo três motivos para duvidar seriamente da eficácia do voto nulo até como protesto:
1) A mais óbvia: o voto é a grande (ainda que não única) oportunidade que termos de intervir nesse universo. Por mais que os políticos nos decepcionem insistentemente, só mesmo alguém muito alienado para achar que todos são iguais. E essas pessoas parecem não perceber um desdobramento de sua atitude. Essa recusa da política é curiosa, já que essas pessoas passam a vida falando mal de político. Ora, se na única hora em que podem escolher os que nos governarão se recusam, então porque diabos se sentem autorizados a reclamar dos que estão lá? Amigo, seu silêncio ajudou a eleger eles. A culpa é sua também!
2) Não há nenhum candidato que te encante, que defenda o que você quer? Pode até ser que não haja mesmo, é possível. Mas se lembre: o voto é essencialmente um recado do eleitor. Muitas vezes em quem você NÃO vota é tão relevante como em quem você vota. Por exemplo, passei a votar sistematicamente no PSTU a partir de 2002. Não sentia afinidade com o partido. Mas quando vi que o PT havia assumido definitivamente a postura "oba, a esquerda vai ser obrigada a votar na gente de qualquer jeito, então podemos vender a alma para agradar a direita" me senti obrigado a dizer "aqui não, Lula, o meu voto vocês perderam. Há limites para essa guinada centrista de vocês!". Tudo bem, não foram muitos a assumirem essa postura. Mas eu fiz a minha parte. Tenho certeza que se a maioria da esquerda fizesse o mesmo que eu ao invés de entrar nessa de "vou dar as mãos ao Sarney, ao Collor, ao Maluf e ao Edir Macedo, pois um governo tucano seria pior ainda", esse governo seria outra coisa.
3) Quem vota nulo em primeiro turno não se dá conta de como isso soa arrogante e pretensioso. A pessoa está dizendo "NENHUM me serve!". Amigo, vou te falar uma coisa. Mesmo numa cidade pequena há centenas de candidatos a vereador. Numa grande capital, como a que moro, há bem uns 10 candidatos a prefeito e centenas de candidatos a vereador. Sinceramente: se NENHUM deles te serve, eu diria que o problema é seu, não deles. Abandone essa megalomania infantil e vá se informar. Alguma coisa que preste você acha, pode ter certeza.