segunda-feira, 30 de julho de 2012

O Voto Nulo


Claro que o voto nulo é uma opção disponível, e não há nada errado em utilizá-lo. Uma vez eu utilizei. E imagino quantos paulistanos não devem estar analisando com carinho a hipótese no caso de um segundo turno entre José Serra e Celso Russomano. Mas na verdade essa é a única situação em que eu acho válido o voto nulo: num segundo turno entre dois candidatos que você julgue intragáveis.
Mas não é assim. Tenho notado muita gente disposta a votar nulo. Elas geralmente se dividem em dois grupos. Um é formado por pessoas apolíticas, que se identificam com gente tipo Boris Casoy ou Marcelo Tas. É o tipo de gente que AMA votar em políticos moralistas, tipo Jânio Quadros ou Collor. Para eles, a política é "suja", o que nada mais é do que o reflexo de um mundo moderno que esqueceu todos os seus valores. Quando não aparece um candidato com esse perfil, se inclinam para o voto nulo.
Um outro tipo é bem diferente na forma e bem semelhante no conteúdo em relação ao anterior. Tem um vago discurso esquerdista, mas de tom moralista. Não quer ser confundido com a esquerda tradicional, que julga "falida". Se sente mais a vontade apoiando demandas setoriais, como movimentos gay, ambientalista, etc. Muitos se definem como "libertários" ou algo tão vago e genérico quanto. Adoram dizer, com cara de nojo, coisas tipo "os partidos não me representam". Claro está: o tom contém o mesmo moralismo conservador do grupo anterior. Aliás, em geral essas pessoas são jovens, e a idade os levará para o mundo encantado do moralismo direitista.
Vejo três motivos para duvidar seriamente da eficácia do voto nulo até como protesto:
1) A mais óbvia: o voto é a grande (ainda que não única) oportunidade que termos de intervir nesse universo. Por mais que os políticos nos decepcionem insistentemente, só mesmo alguém muito alienado para achar que todos são iguais. E essas pessoas parecem não perceber um desdobramento de sua atitude. Essa recusa da política é curiosa, já que essas pessoas passam a vida falando mal de político. Ora, se na única hora em que podem escolher os que nos governarão se recusam, então porque diabos se sentem autorizados a reclamar dos que estão lá? Amigo, seu silêncio ajudou a eleger eles. A culpa é sua também!
2) Não há nenhum candidato que te encante, que defenda o que você quer? Pode até ser que não haja mesmo, é possível. Mas se lembre: o voto é essencialmente um recado do eleitor. Muitas vezes em quem você NÃO vota é tão relevante como em quem você vota. Por exemplo, passei a votar sistematicamente no PSTU a partir de 2002. Não sentia afinidade com o partido. Mas quando vi que o PT havia assumido definitivamente a postura "oba, a esquerda vai ser obrigada a votar na gente de qualquer jeito, então podemos vender a alma para agradar a direita" me senti obrigado a dizer "aqui não, Lula, o meu voto vocês perderam. Há limites para essa guinada centrista de vocês!". Tudo bem, não foram muitos a assumirem essa postura. Mas eu fiz a minha parte. Tenho certeza que se a maioria da esquerda fizesse o mesmo que eu ao invés de entrar nessa de "vou dar as mãos ao Sarney, ao Collor, ao Maluf e ao Edir Macedo, pois um governo tucano seria pior ainda", esse governo seria outra coisa.
3) Quem vota nulo em primeiro turno não se dá conta de como isso soa arrogante e pretensioso. A pessoa está dizendo "NENHUM me serve!". Amigo, vou te falar uma coisa. Mesmo numa cidade pequena há centenas de candidatos a vereador. Numa grande capital, como a que moro, há bem uns 10 candidatos a prefeito e centenas de candidatos a vereador. Sinceramente: se NENHUM deles te serve, eu diria que o problema é seu, não deles. Abandone essa megalomania infantil e vá se informar. Alguma coisa que preste você acha, pode ter certeza.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Vira-Latas eternos


Já que alguns posts que publiquei foram muito mal interpretados, deixe começar este com um esclarecimento. Meu tema NÃO é a Inglaterra. Não tenho nada contra o país. Sua história tem coisas boas e ruins como qualquer outro. E francamente, quem me conhece sabe que é impossível eu ter ódio de um povo que ama futebol, rugby e cerveja, e que produziu uns 90% do que o rock tem de mais memorável.
Bem, mas é o seguinte. Hoje estava assistindo a abertura das Olimpíadas. Um bom pedaço da cerimônia foi uma glorificação da história inglesa. Apareceram, com grande destaque, trabalhadores da Revolução Industrial, felizes da vida, para mostrar como foi maravilhosa a contribuição inglesa para o mundo. O imperialismo não foi mencionado diretamente, mas esteve implícito em vários momentos.
Claro que dá pra entender que uma festa dessas tenha esse tipo de tom. Suponho que a festa de daqui a quatro anos vai estar lotada de pandeiros, mulatas, índios, onças pintadas, e coisas do tipo. Sem referências ao fato de que a mulata em questão provavelmente é uma favelada que não tem acesso aos direitos básicos ou que aquele índio vive abandonado em algum quinhão do país.
O que não dá é para a gente ficar aqui vendo isso tudo impunemente. Po, o operário da Revolução Industrial trabalhava 14 a 16 horas por dia seis dias por semana, vivia na miséria e tinha expectativa de vida de algo como 30 anos. Eles não "contribuiram" para a Revolução Industrial, ela foi feita sobre seus ombros. E do imperialismo melhor nem falar. Uma violência em nível global, cujos efeitos muitas das delegações que desfilariam logo depois sentem ainda hoje.
Mas a transmissão da TV não se preocupou com nada disso. Vi pela ESPN, que não apenas é o melhor canal de esportes, como também o mais politizado e progressista. Mas lá o clima foi totalmente acrítico. Tudo era maravilhoso. A certa altura o narrador encarnou Cecil Rhoades para dizer "a história da Inglaterra é linda. A Inglaterra era o mundo". Nem quero imaginar o que o Galvão Bueno teve ter falado.
Então ficamos assim: pela eternidade veremos a Europa como um poço de história, cultura e civilidade. O resto do mundo (incluindo nós mesmos) é uma malta de irracionais. E cada imperialista do século XIX, que justificava o imperialismo dizendo que era preciso "civilizar os selvagens", sorri feliz no seu túmulo.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

O que São Paulo tem a nos ensinar

Olho o cenário das eleições paulistanas e choro. Serra, o grande favorito, representa um PSDB que não sabe o que dizer aos eleitores além de "FHC!". Haddad representa um PT que desistiu de ter qualquer ideologia e virou um partido que tem dono (Lula, claro). Soninha é o nome que representa a ideia "finjo que sou diferente para fazer tudo igual os piores". Chalita é a prova provada de que "intelectual" no Brasil virou sinonimo de "debil mental". Russomano representa aquela direita que não acredita na democracia.
Isso tudo não seria ruim se fosse apenas uma doença paulistana. Mas não é. Em todo o Brasil o que vemos é essa mesmíssima coisa.
Veja: as eleições para prefeito não têm relevância nacional. São Paulo elegeu Celso Pitta e o Rio Luiz Paulo Conde apenas por terem sido apoiados por Maluf e Cesar Maia. Ambos perderam as eleições para governador em 1998, mostrando que o cenário municipal sequer tem o poder de influenciar o estadual.
Mas infelizmente as eleições municipais tem sim sua importância. As cidades brasileiras têm problemas evidentes. Morremos de medo de ser assaltados, nossos carros não andam e qualquer chuva inunda nossas ruas. Não são problemas pequenos.
Tudo isso só poderia ser resolvido com administradores que tivessem projetos estruturais para mudar nossas cidades. Mas infelizmente não há sequer um com essa proposta. Nossos candidatos sequer tangenciam esses, que são os grandes problemas que temos. Sendo assim se prepare: vêm por aí mais quatro anos de engarrafamentos, trânsito insano, violência e inundações. E a culpa disso é nossa. Afinal, quem de nós espera um governante que resolva isso? Qual brasileiro pensa nessas coisas na hora de escolher seus candidatos?

terça-feira, 10 de julho de 2012

O facebook e a morte da democracia


Uma das coisas mais legais da história do Brasil é a luta contra a ditadura. Uma luta que mesmo nos piores momentos nunca cessou, e muita gente pagou caro por defender a democracia. E foi uma luta que envolveu um amplo segmento, desde a esquerda radical até o centro liberal (que posteriormente originaria o PSDB), passando pelos sindicatos e movimentos sociais (posteriormente agrupados no PT). Essa gente toda lutou muito para que todos nós tivéssemos o direito de nos expressar da maneira que quiséssemos.
Conseguimos isso. Há 20 anos o Brasil é governado por presidentes que construíram sua trajetória a partir da luta democrática nos anos 70. Como qualquer democracia, a nossa é imperfeita, lógico. Mas é certo que todos temos o direito de pensar o que quisermos, expressar essa opinião da maneira que acharmos melhor para quem quiser ouvir.
Aí você abre o facebook hoje e se depara com uma multidão de gente enraivecida contra a propaganda política. Alguns postam coisas tipo "facebook não é lugar para campanha política", outros vão mais longe e ameaçam coisas como "quem fizer propaganda eu excluo". Outros reclamam da propaganda eleitoral gratuita, outros xingam os outdoors, e por aí vai.
Acho que a maioria das pessoas não percebe como isso é grave. Aquilo que foi uma tremenda conquista, pela qual pessoas de gerações anteriores à minha arriscaram suas vidas e carreiras profissionais, a liberdade de expressão (especialmente a política), hoje é visto como uma coisa chata por boa parte da nossa juventude. Essa gente, que não tem ideia do que é viver sob uma ditadura, simplesmente mostra não ter qualquer apreço pela ideia de que discutir política em espaços públicos é um patrimônio do qual temos de nos orgulhar.
Ou seja, essas pessoas acham democracia um porre. Não querem saber de ter amigos que expressem opiniões políticas. Não ligam de ver gente hipócrita fingindo que ama sei-lá-quem, se dizendo o defensor número um dos animais, expressando opiniões lunáticas sobre futebol, religião ou que diabos for. Tudo isso tá liberado. Mas política não pode.
Entendo que isso tem a ver mais com outra coisa, o enfado despertado pelas seguidas decepções que a classe política parece ser especialista em nos causar. Mas essa postura apenas iguala todos. Que é exatamente o que os piores políticos querem. Quando você acha que política é o terreno da putaria, você iguala os que realmente são assim aos que não são, para deleite dos primeiros. É disso que os ladrões e corruptos vivem. Da ideia de que todo político é ladrão, e que portanto o que eles fazem não tem nenhum problema.
Então fiquemos assim. Em algum momento declararei apoio para meu amigo Luiz Gonzaga se eleger vereador em Coronel Fabriciano, e abrirei meu voto para o PSTU em Recife. Talvez volte ao tema mais uma ou outra vez nos 3 meses seguintes, tentando não abusar da paciencia alheia. Meus amigos tucanos, petistas, socialistas, que diabos forem, fiquem à vontade para fazer o mesmo. Quem quiser me deletar, paciência. Eu ficarei feliz de ver que estou cercado de gente que acredita nas coisas e vota com convicção. E longa vida à democracia.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Constitucionalista, 80 anos


Hoje se completam 80 anos da Revolução Constitucionalista. E pelo que noto o tom geral dos comentários é: "há 80 anos a elite paulista promovia uma contra-revolução, e agora os paulistas celebram seu senso de superioridade lembrando disso".
Bem, há duas sentenças juntas aí. A segunda não me parece minimamente adequada ao que vi nos 12 anos que morei em Campinas. Nunca vi nenhuma celebração que motivasse muita gente. Pelo que vi nesse tempo, o paulista típico encara a data apenas como um feriado. A data é muito menos relevante para eles que a Inconfidência para os mineiros ou a Confederação do Equador para os pernambucanos. E infinitamente menos relevante que a Farroupilha para os gaúchos.
E chamar a Constitucionalista de uma "contra-revolução da elite paulista" é um absurdo completo. Nada mais é do que a narrativa do governo Vargas sobre o episódio. Para o poder então estabelecido, a revolução de verdade foi a de 1930, sobrando para 1932 o terrível epíteto de "contra-revolução" (vamos lá: para haver uma "contra-revolução" tem de ter havido uma "revolução" antes, né? a lógica mais elementar aponta isso, de acordo?)
Ora, então quando adotamos essa visão sobre a Constitucionalista estamos fazendo simplesmente uma coisa: reproduzindo, palavra por palavra, o discurso do varguismo sobre o evento. Convenhamos: repetir acriticamente o discurso de uma ditadura é algo que pode ser chamado de tudo, menos de "crítico". Ainda que em geral as pessoas façam isso como se estivessem adotando uma fala progressista, o que está implícito é: a revolução de verdade foi a comandada por Vargas, contra os oligarcas, que dois anos depois reagiram e tentaram retomar seus privilégios. E felizmente Vargas restaurou a justiça restaurando seu regime. Bela bosta de discurso, hein?
Para começar, não foi uma revolta oligárquica. Gerações de historiadores demonstraram de forma cabal que houve maciço envolvimento da população paulista na revolta. Ontem mesmo a Folha fez uma matéria bem legal mostrando que havia um batalhão formado apenas por jogadores de futebol, comandados pelo cracaço Artur Friedenreich.
Mais que isso: a revolta ocorreu em São Paulo, mas teve apoio pelo país afora. Um simples exemplo é o do locutor Cesar Ladeira, que ficou nacionalmente famoso pois todo o país tentava sintonizar o sinal da Rádio Record paulista para ouvir relatos mais próximos do que ocorria e, em geral, torcer para os revoltosos. Logo em seguida Ladeira foi contratado pela Mayrink Veiga carioca e fez carreira como ícone do rádio brasileiro.
E claro: nunca é sensato apontar um sentido único que explique o entusiasmo simultâneo de milhares e milhares de pessoas. Certamente na revolta havia oligarcas querendo mais poder. Mas também havia muita insatisfação, bastante genuína, com um governo que chegou ao poder prometendo o fim do domínio oligárquico mas na prática havia se transformado em ditadura.
Que os revoltosos jurassem defender os valores democráticos, nada mais normal. Que o governo Vargas os visse como contra-revolucionários tentando restaurar o poder oligárquico, nada mais justo. Que um ser humano repita essas peças de propaganda 80 anos depois, de forma acrítica, como se fosse algo crítico, questionador e inovador, aí sinto muito. É tolice pura mesmo.

sábado, 7 de julho de 2012

Um continente sem história


Durante a Euro-2012 houve uma tremenda briga entre torcedores russos e poloneses após o jogo entre as duas seleções. A parte mais arejada da imprensa esportiva brasileira buscou explicações históricas. Lembraram a imposição do comunismo pelos russos depois da 2a guerra, alguns lembraram da própria guerra, alguns foram até mais longe, lembrando a Partilha da Polônia, ocorrida há 240 anos.
Muito legal. Mas vamos fazer um exercício. Suponhamos que a seleção brasileira vá jogar no Paraguai, e após o jogo os torcedores locais façam uma emboscada e encham nossos compatriotas de porrada. Você acha que há alguma chance de aparecer o discurso "bem, isso tem raízes históricas, os paraguaios tem muito ressentimento conosco em função do massacre da Guerra do Paraguai, e há questões como Itaipu, os brasiguaios e a ingerência dos governos brasileiros sobre as questões locais, etc."?
Uma confusão entre jogadores bolivianos e chilenos levaria à lembrança da Guerra do Pacífico? Uma pancadaria numa partida entre um time de Buenos Aires e um rival do interior do país levaria a reflexões sobre a histórica divisão entre capital e províncias, com raízes na querela entre federalistas e centralistas, que causou até guerra no século XIX?
Claro que não. Você NUNCA vai escutar nada disso. Brigas de torcedores por essas bandas são simplesmente confrontos entre marginais. Mas a mesma cena em solo europeu é vista como consequencia de longa tradição de conflitos sócio-históricos. Qual a diferença?
Você sabe qual é a diferença. Séculos de repetição infinita da ideia de que só existe história na Europa. Você certamente conhece gente que sonha em tomar um banho de civilização na Europa, rodando por pequenas vilas e comer coisas rústicas enquanto se sente parte de uma história milenar. Mas duvido que você conheça alguém que sonhe em ir a uma tribo indígena desfrutar dos milênios de história deles. Ou que economize por anos para poder ir ao interior africano conhecer os milênios de história deles.
Não. História é só na Europa. Índios e negros não têm história, tem "folclore", ou no máximo "tradição". Nada mais justo. A História que é ensinada nas escolas e nas universidades ainda ensina exatamente isso. Garantia de que as próximas gerações serão tão colonizadas como a nossa e todas as que vieram antes. Um dia para o negro, um dia para o índio e 363 para o branco. Seguiremos assim.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Sarriá, 30 anos depois


Há 30 anos eu vivia aquele que até então (e por muito tempo ainda) era disparado o pior dia da minha vida. O Brasil havia sido inexplicavelmente eliminado pela Itália da Copa da Espanha. Nos meus quase 10 anos de vida não conseguia cogitar que algo pudesse ser tão ruim como aquela sensação.
E há 30 anos penso nesse jogo, tentando entender o que aconteceu. Um time que tenha Falcão, Cerezo, Sócrates e Zico no meio campo, Leandro e Junior nas laterais, Éder na ponta... ainda hoje parece completamente absurdo que esse time tenha perdido para quem quer que seja.
Hoje tenho a sensação de que na época nossa percepção do que estava acontecendo não era lá muito completa. De fato a seleção tinha jogadores sensacionais, mas não estava em seu melhor momento. Havíamos vencido a URSS no apagar das luzes, graças a duas jogadas individuais. Não fosse a mão do juiz e teríamos perdido. Ainda saímos atrás de uma fraca Escócia e goleamos uma semi-profissional Nova Zelandia.
O que de fato nos fez ter certeza do título foi a inapelável vitória por 3 a 1 sobre um timaço da Argentina, o melhor que já vi em termos individuais. Na verdade eram os campeões de 1978 reforçados por Maradona e Ramon Diaz. Aquela vitória sensacional nos fez ter a certeza de que seria impossível nos derrotar.
Mas não vimos que aquela Argentina era um desastre enquanto time, que perdeu 3 das 5 partidas que jogou naquela copa. Não vimos que a Itália também havia vencido os vizinhos. E que a azzurra era muitíssimo respeitável. Não tinha tantos craques como nós, mas Zoff, Scirea, Cabrini, Tardelli, Antonioni, Conti e Paolo Rossi eram jogadores excelentes. Não era um timaço, mas era um time muito forte que poderia nos vencer.
No fatídico jogo o Brasil teve ótima produção ofensiva. Marcou dois golaços na forte defesa italiana e poderia ter feito outros. Mas defensivamente fomos uma catástrofe, e não por motivos táticos. Foram erros inaceitáveis para qualquer time. Rossi cabeceia absolutamente sozinho no primeiro gol, recebe passe de Cerezo no segundo e, com toda a defesa brasileira dentro da área, conclui livre, na pequena área, no gol decisivo.
Quanto mais vejo os lances, os gols, mais concluo que, como é costume entre nós, superestimamos nossas qualidades e subestimamos nossos defeitos, fazendo o contrário com os italianos, que estavam longe de ser retranqueiros pernas de pau, pois também venceram Argentina, Polônia e Alemanha, chegando a um merecido título.
Mas tampouco deixo de sentir a mesma dor de 30 anos atrás. É ver os lances do jogo com a sensacional narração de Luciano do Valle, então no auge da carreira, que volto a ser aquele menino de nove anos e tanto que achava que era a coisa mais injusta do universo que aquela seleção perdesse. A dor da derrota intolerável e a análise fria das causas convivem harmonicamente dentro de mim, ainda que isso pareça contraditório.
A percepção de que aquela seleção perdeu por seus defeitos não impede que meus olhos marejem ao ver a comemoração de Falcão após o segundo gol. Naquele momento o genial volante fazia o que todos os brasileiros repetiam em suas casas. Saudosa lembrança de uma seleção que era naturalmente amada por todos nós simplesmente pelo que ela era. Sem nenhuma necessidade de que a grande imprensa forçasse a barra ou inventasse rivalidades idiotas. Amávamos a seleção apenas pelos seus jogadores e pelo futebol que jogava.



terça-feira, 3 de julho de 2012

América do Sul: um continente sem meiocampistas


Assisti a interessantíssima Euro-2012 com muita atenção. E me impressionou ver como os europeus valorizam muito mais a qualidade do meio campo do que nós, sul-americanos. Em nosso continente sequer sonhamos em ter jogadores como Pirlo, Xavi, Iniesta ou Schweinsteiger.
Esses jogadores me lembram um pouco os antigos camisa 8 que tínhamos por aqui. Jogadores que marcavam e organizavam o jogo de uma intermediária à outra. Ainda tive tempo de ver os geniais Falcão e Cerezo fazendo isso. E quando, no fim dos anos 80, me deliciava com o grande Andrade fazendo isso, nem sonhava que ali estava o último fruto dessa linhagem excepcional que inclui Didi, Gérson, Rivelino, Ademir da Guia, Dirceu Lopes, etc. Dali pra frente teríamos apenas volantes e meias-atacantes. Os armadores sumiram.
Mas não é só no Brasil. Com Verón e Riquelme em fim de carreira, a Argentina vai ficando sem armadores também. Basta ver que é muito comum que os treinadores da seleção terminem colocando Messi como armador, algo que ele não é. O país tem uma geração brilhante de atacantes, um punhado de bons volantes (o único que acho realmente bom é Mascherano), um ou outro meia-atacante e só. Camisa 8 ou enganche em nível de seleção não há.
O mesmo vale para o Uruguai. A Celeste tem bons camisas 5 (Ruso Pérez, Cacha Arévalo Rios, Mota Gargano), alguns bons jogadores de lado do campo (Tata Gonzalez, Cebolla Rodriguez, Palito Pereira), e fica por aí. A seleção é forte, tem ótimos atacantes, mas tem enormes dificuldades de criar jogadas de gol. Maestro Tabarez por vezes improvisa Forlán como armador, uma solução equivalente à de usar Messi no setor.
Já li algumas vezes o Tostão atribuir esse cenário desolador a uma espécie de "europeização no mau sentido" do nosso futebol. A tese é de que os europeus não tinham esses jogadores, então tentavam compensar com uma marcação muito forte no meio campo e o contra-ataque. Nós, que tínhamos esses jogadores, imbecilmente achamos que os europeus eram "mais modernos" e jogamos fora nossa grande qualidade. Enquanto isso, os do velho continente aprendiam a criar jogadores com essa característica. O resultado é que o mundo do futebol teria virado de ponta-cabeça: europeus com meiocampistas talentosos e sul-americanos jogando à base da marcação e correria.
Não sei se é isso, ainda que ache uma tese tentadora. Só me assusta ver que estamos muitíssimo atrás dos europeus nesse quesito. Não temos mais grandes jogadores de meio campo. Nosso futebol virou uma correria, um festival de gols de bola parada. Queremos volantes que marquem muito, meias que corram com a bola e a joguem na área para um grandão cabecear pra dentro do gol. E parece que está todo mundo muito feliz com isso. Ou seja: as coisas não vão mudar.
Aí a copa vai chegar, e vão colocar a responsabilidade toda nas costas de Neymar e Messi. Que não têm a menor culpa de jogarem em seleções que não estão prontas para jogar futebol de qualidade. Tenho pena dos dois.

domingo, 1 de julho de 2012

O saudosismo é de direita

Vi um comentário bem interessante no meu post anti-saudosismo que me fez escrever um novo post sobre o assunto.
Existe um saudosismo, digamos, pessoal. Esse é inevitável. Sempre sentiremos saudade de coisas que tínhamos em outros momentos de nossas vidas. Não há como escapar dele, e nem acho que deveríamos tentar. Mesmo que o preço a pagar seja edulcorar demasiadamente outros momentos das nossas vidas. Faz parte. Nada contra.
No entanto, há um outro saudosismo, digamos, "social". Aquele que faz parecer que "antigamente" (quando era isso?) as pessoas se respeitavam, os filhos obedeciam aos pais, havia amor genuíno, casamentos eram para sempre, as pessoas tinham valores respeitáveis, idosos eram bem tratados pelos mais jovens, etc.
Esse é o saudosismo que eu criticava. Afinal, está enraizado em uma visão absolutamente conservadora das coisas. Mais que isso: em uma visão absolutamente hierarquizada da sociedade. Um mundo onde não tínhamos escolhas. A saudade aí é a de um universo em que religião não era uma opção, mas uma obrigação. Em que pais não precisavam conquistar o respeito de seus filhos, que simplesmente eram obrigados a obedecer. Em que ficar com a mesma pessoa a vida toda era um imperativo social. Em que casamentos duravam para sempre independente do quão mal os conjuges se sentissem dentro dele.
Quem vê a coisa dessa maneira sente pânico de viver em um mundo em que temos de eleger nossos governantes. Ao invés de votar em quem o coronel manda ou engolir um governante imposto. Esses aí podiam roubar a vontade. Você nem ficava sabendo, e de toda forma a culpa não era sua. Brabo é agora, em que se reclama até morrer dos políticos ladrões, mas tentando varrer pra baixo do tapete o fato de que fomos nós que os colocamos lá. Melhor fingir não ter responsabilidade, né?
As pessoas que externam esse tipo de saudosismo na verdade tem um problema gigantesco com uma coisa muito boa da vida moderna: o direito a escolher como viver. Realmente é dificil. Você tem de fazer opções e se responsabilizar por elas. Muitas vezes escolhemos errado e pagamos caro por isso. Para mim isso é ótimo: pagamos pelos nossos atos, não por algo que a sociedade nos impôs.
Mas para muita gente isso é complicado demais. Avaliar prós e contras, tentar entender um assunto antes de tomar uma decisão, ter de lidar com pessoas que pensam diferente, tudo isso é insuportável pra muita gente. Em suma, pensar é um exercício penoso demais para essas pessoas. Bem melhor era o tempo em que simplesmente não escolhíamos nada, e as regras sociais eram tão fortes que nos davam um guia completo para a vida.
O preço a pagar por isso é a ausência de escolhas, a vida em uma sociedade absolutamente hierarquizada e a submissão permanente á autoridade superior (o político, o marido, o pai, etc.). Pra mim é um preço intolerável que se paga em troca de nada. Para muitos, seria o mundo perfeito, um passado idealizado em que não precisamos ter responsabilidade por nada.
Sim, sinto saudade dos meus avós, do meu primo, do meu melhor amigo. Adoraria poder vê-los de novo por um segundo que fosse. Sinto falta de ser criança, de ser um adolescente despreocupado curtindo a vida com os amigos, sinto falta dos tempos de universidade, dos anos em Minas, de conviver com minha família etc. etc. Mas não sinto nenhuma falta de viver em um mundo onde os outros decidiam tudo por mim. Isso eu deixo para o pessoal de direita.

Plano Real (e um pouquinho de autocrítica)


Há 18 anos entrava em vigência o Plano Real. Ao ver esse dado eu comecei a lembrar de qual era o clima entre nós, da oposição, naquele momento.
Na verdade nós tínhamos a mais absoluta certeza de que aquilo nada mais era do que uma tentativa desesperada de manipular o resultado das eleições que ocorreriam no final daquele ano. Sem um candidato viável para enfrentar Lula, que era naquele momento um candidato forte, parecia claro a todos nós que o governo Itamar havia fabricado um plano demagógico para transformar FHC num super-herói da luta contra a inflação e com isso vencer as eleições. Dizíamos que o plano era ruim, que não iria funcionar e que era uma cópia ridícula do plano aplicado por Carlos Menem na Argentina.
Bem, estávamos completamente errados. O plano funcionou, não tinha quase nada a ver com o de Menem e de fato acabou com a praga da inflação. Tudo bem, temos de dar a nós o desconto de termos vivido a fraude eleitoral do Cruzado oito anos antes. E de fato o Plano Real trouxe desdobramentos, como as privatizações, que podem ser questionadas. Mas o fato concreto é: aquela avaliação estava completamente errada. Quem não conseguiu ver a realidade por motivos eleitorais fomos nós.
Entenda, eu não acho que o Plano Real foi perfeito. Apenas reconheço um fato muito objetivo: sua finalidade principal era acabar com a inflação e ele fez isso. Não implica apoiar todas as suas consequencias, e muito menos aprovar o governo FHC. Significa apenas reconhecer uma coisa simples: aquele plano resolveu um problema monstruoso que tínhamos. E nós torcemos descaradamente contra ele.
De fato, a cultura esquerdista, que tem tanto de generoso, tem também suas fraquezas. Uma delas é uma certa convicção de que temos o monopólio da virtude. Temos a mais absoluta certeza de que tudo o que os outros fazem é por interesse e roubalheira. Não conseguimos conceber que um governo não-esquerdista possa fazer algo de bom. Essa auto-crítica devemos fazer mesmo.
Há 18 anos começávamos a nos livrar de uma coisa monstruosa. Fico muito feliz de ver que meus alunos, jovens adultos, não fazem a menor ideia do que é viver sob inflação. Daquela coisa de voce ir todo dia comprar a mesma coisa e nunca pagar o preço que havia pago na véspera. De ir no supermercado no dia do pagamento e comprar TUDO o que fosse precisar no resto do mês, pois se fosse no dia seguinte já era outro preço. Taí uma coisa em que o Brasil melhorou muito.
Vocês sabem que sou esquerdista, que nunca fui eleitor de FHC e estive na oposição durante os oito anos de seu governo. Não me arrependo minimamente disso. Mas também acho que é muita incoerência não reconhecermos que o Plano Real prestou um grande serviço ao país. Podemos e devemos discutir outros aspectos do plano, mas ter acabado com a inflação foi algo que o Brasil tem muito a agradecer a Itamar Franco e FHC.