quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

E a Venezuela?

Podemos começar combinando o seguinte. Eu não sei direito o que acontece na Venezuela. Nem você. Nem 99% dos brasileiros. Nós não acompanhamos direito a América Latina, e não se trata exatamente de um país que nos importe muito. Vamos combinar: só temos uma fonte de acesso ao assunto, que é a imprensa brasileira. Que, como sabemos, tem uma pauta bem definida: claro que ela acha que o chavismo só tem defeitos. Nunca fez nada de bom e qualquer coisa que apareça é melhor do que ele. Quem vota no chavismo é idiota, quem simpatiza é idiota, e qualquer um que seja contra está certo. Acredita quem quiser. Esse é o ponto: nossa opinião sobre o chavismo é 100% pautada por nossas convicções ideológicas, já que sabemos muito pouco sobre ele. Quem é de esquerda gosta, quem é de direita odeia. Em geral, em ambos os casos, com aquela deliciosa certeza que a ignorância nos dá.

O que dá pra dizer é o seguinte. O chavismo não parece um regime que cumpra todas as regras da boa democracia. Há eleições, aparentemente livres, mas também há procedimentos incompatíveis com a liberdade que se espera de um regime democrático. Por outro lado, o líder das manifestações atuais se mostra indignado por ter de esperar até as próximas eleições para tirar o chavismo do poder. O que aponta claramente para uma visão de mundo não democrática. O líder "moderado" da oposição é Capriles, cujos apoiadores mataram de pancadas mais de dez militantes chavistas após perderem as últimas eleições. A primeira tentativa de Hugo Chavez de chegar ao poder foi através de um golpe. A oposição, por seu lado, também teve seu golpe de estado frustrado em 2002.

Aparentemente há algo em comum entre as diferentes tendências políticas do país: a crença de que soluções não democráticas são aceitáveis. Ao que tudo indica, estamos falando de um país em que a democracia não é um valor arraigado. Mesmo para os padrões brasileiros, e estamos longe de ser modelos nisso. Para se ter uma ideia, a primeira vez em que dois presidentes eleitos em eleições livres terminaram seus mandatos de forma consecutiva foi em 2010, quando Lula passou a faixa presidencial para Dilma. FHC e Lula, eleitos consecutivamente de forma livre terminando seus mandatos. Há meros 3 anos vivemos essa novidade, tão trivial em países democráticos.

Sendo assim, me parece que o melhor é ter cuidado. O chavismo não é nenhuma maravilha, adota posturas altamente questionáveis (inclusive em termos institucionais), mas seguramente não é o lixo total que a imprensa tanto gosta de desenhar (pense bem: em tantos anos eles não fizeram NADA que preste e mesmo assim vencem eleições uma após a outra?). Por outro lado, também é um erro imaginar a Venezuela como uma ditadura, e que uma vitória oposicionista trará a democracia de volta. Os opositores não são liberais defensores da democracia, mas compartilham os valores autoritários que também vemos no governo.

O que acaba acontecendo, é que apoiadores e opositores do regime que vivem fora da Venezuela tendem a ver o assunto de forma muito descontextualizada. Os opositores agem como se a Venezuela fosse uma democracia com economia desenvolvida e ótima qualidade de vida antes de Chavez, e que basta tirar Maduro do poder para que o paraíso seja restaurado. Os apoiadores acham que o chavismo está levando o país a um socialismo democrático, o que tampouco faz qualquer sentido. O brabo mesmo nisso tudo é ver tanta gente com tanta certeza sobre um assunto sobre o qual estão completamente desinformados. Um pouco de cautela sempre é bom, ainda mais quando não sabemos sobre o que estamos falando.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

"maldita imprensa"


Vivo num planeta muito específico: o mundo dos acadêmicos de esquerda (ou ao menos progressistas) que são eleitores do atual governo e passam o tempo livre reclamando das "mentiras da mídia". Isso me chateia muito. E vou explicar por que.

Isso que nosso planeta chama de "mídia" nada mais é do que um conjunto de empresas. Óbvio. Logo, são comandadas por empresários. Óbvio. Em toda a história humana, empresários sempre foram de direita. Óbvio. Sendo assim, vão atacar qualquer coisa que o atual governo fizer, seja boa ou ruim. Óbvio. O governo fez com que negros e pobres fossem para a faculdade? Vão fazer isso parecer horrível. Óbvio. O governo fez com que nordestinos humilhados há séculos virassem cidadãos? Vão falar mal, óbvio. O governo possibilitou que pessoas que nunca tinham visto médicos na vida passassem a ter cuidados médicos? Vão fazer isso parecer atitude eleitoreira. ÓBVIO.

Claro que vão. É o papel deles. São empresários. Essas pessoas financiaram pesadamente golpes militares, torturas e assassinatos por todo o nosso continente defendendo o interesse deles. Vão sempre defender o liberalismo que tanto os favorece, exceto quando estiverem em dificuldades, aí vão querer que o Estado (que no resto do tempo lhes parece um desastre) os salve. Essa é a plataforma de todos os empresários de todos os tempos.

No fim voltamos à velha luta de classes. Empresários sempre são bem articulados, sempre sabem quem os favorece, sempre sabem o que fazer para atingir seus objetivos. O engraçado é ver gente nossa, da esquerda, indignado genuinamente com isso. O que esperavam no fim das contas? Que milionários gestores de conglomerados se preocupassem com o "bem comum"? Amigo, se voce acha isso possivel, vá cerrar fileiras com os liberais, eles acreditam nisso.

Que fique do nosso lado quem saiba pelo que está lutando: contra aqueles que sempre ganharam, contra os vitoriosos de sempre, e a favor dos derrotados. E que entenda que isso nunca vai acontecer por concessão dos que mamaram desde que nasceram, mas da luta dos que sempre perderam.

PS: Nada do que falei inviabiliza a existência de jornalistas excelentes, vários dos quais eu tenho orgulho de ser amigo. no fim, talvez falte à categoria dos jornalistas entender que em sua maioria estão mais perto dos que sempre perderam do que dos que sempre viveram no mundo dos privilegiados.